No cenário contemporâneo do cinema de terror, onde a busca por originalidade e profundidade tem se intensificado, a obra “Faça Ela Voltar” emerge como um título de inegável relevância. Dirigido pelos irmãos Danny e Michael Philippou, a dupla que já havia demonstrado sua habilidade em subverter expectativas com “Fale Comigo”, este filme australiano de 2025 consolida uma assinatura autoral que vai além dos sustos fáceis, mergulhando nas complexidades da psique humana e do luto.
A narrativa de “Faça Ela Voltar” se desdobra a partir de uma tragédia familiar que atinge Andy e sua meia-irmã Piper. Após a morte do pai, os jovens são enviados para um lar adotivo, encontrando-se sob os cuidados de Laura, uma figura excêntrica que esconde segredos sombrios. O filme não demora a revelar que a aparente normalidade da casa é, na verdade, uma fachada para um ritual oculto desesperado, um elo perturbador com o desejo de Laura de trazer de volta sua própria filha falecida. É nesse ponto que a direção dos irmãos Philippou se destaca, construindo uma atmosfera opressiva que se equilibra entre o sobrenatural e a loucura humana. Eles provam, uma vez mais, que dominam a arte de causar desconforto e de preparar o público para acontecimentos bizarros, por vezes sangrentos, sem recorrer apenas ao choque gratuito. A trama, que inicialmente parece um drama sobre orfandade e adaptação, gradualmente se transforma em um terror sobrenatural e corporal, com elementos que desafiam até mesmo os mais acostumados ao gênero.
O roteiro, assinado por Danny Philippou e Bill Hinzman, explora com sensibilidade e impacto os temas do luto, da culpa e da obsessão. A história de Laura, que perdeu sua filha cega em um acidente e se deixou levar pela ideia de um ritual de ressurreição, serve como o motor central para a escalada do horror. Esse amor que se recusa a aceitar o fim, que ultrapassa todos os limites, é retratado de forma visceral, transformando a afeição em uma força destrutiva. A vulnerabilidade dos personagens, como a deficiência visual de Piper, é um elemento narrativo importante, conferindo camadas adicionais de fragilidade e tensão à experiência dos irmãos. O filme, aliás, não se detém em exposições excessivas; ele permite que o mistério do ritual e as motivações dos personagens se desenvolvam de maneira orgânica, mantendo a atenção do espectador. A narrativa intrigante, com suas cenas de impacto e a exploração sutil e diferente do luto, demonstra a maturidade dos diretores.
As atuações são um pilar fundamental para a imersão na proposta de “Faça Ela Voltar”. Sally Hawkins, no papel de Laura, entrega uma performance aclamada, elevando o filme a um patamar de intensidade ímpar. Sua interpretação da mãe adotiva excêntrica e atormentada é, instantaneamente, uma das grandes vilãs do horror contemporâneo, remetendo a performances marcantes pela sua complexidade e capacidade de gerar desconforto. Billy Barratt, como Andy, e Sora Wong, como Piper, também contribuem com atuações convincentes, especialmente a jovem Sora Wong, que de fato possui deficiência visual, trazendo autenticidade à personagem. O elenco principal consegue transmitir a angústia, o medo e a determinação necessários para envolver o público na espiral de eventos aterrorizantes.
Tecnicamente, o filme é impecável. A cinematografia de Aaron McLisky e a trilha sonora de Cornel Wilczek são elementos cruciais para a construção da atmosfera sombria e perturbadora. A fotografia, muitas vezes próxima dos personagens, realça suas sensações e contribui para o impacto visual que os diretores buscam. O design de produção e o figurino também são cuidadosamente elaborados para reforçar o tom macabro e comedido da história, longe da energia frenética de trabalhos anteriores dos irmãos Philippou, optando por algo mais soturno.
“Faça Ela Voltar” é mais do que um filme de terror; é um estudo sobre a fragilidade da mente humana diante da perda e os perigos de se apegar ao passado de forma doentia. A obra dos irmãos Philippou não oferece um terror de sustos fáceis, mas sim um choque visual e emocional que permanece com o espectador, abordando dramas familiares e traumas de forma impactante. É um filme que, embora não seja para todos os estômagos devido às suas cenas intensas, agrada aos amantes do gênero que buscam profundidade e um bom enredo. Para quem busca uma experiência que provoca, questiona e perturba, “Faça Ela Voltar” é um acerto notável da A24, que continua a se consolidar como uma das produtoras mais relevantes do cinema de gênero.
Faça Ela Voltar (Bring Her Back – Austrália, 2025)
Direção: Danny Philippou, Michael Philippou
Roteiro: Danny Philippou, Bill Hinzman
Elenco: Sally Hawkins, Billy Barratt, Sora Wong, Jonah Wren Phillips
Duração: 104 min.
Nota: ⭐⭐⭐⭐
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