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Crítica | Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa

Assistir a Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa é, sem dúvida, uma daquelas experiências cinematográficas que resgatam o que há de mais puro e essencial na infância e na cultura brasileira. Em um cenário onde as adaptações de grandes obras dos quadrinhos nem sempre encontram o tom ideal, o diretor Fernando Fraiha consegue a proeza de não apenas honrar o legado de Maurício de Sousa, mas também de injetar na narrativa uma profundidade e um carinho que o elevam. O filme se posiciona de forma a disputar o posto de melhor produção do Monicaverso, ao lado de Turma da Mônica: Lições, de 2021, demonstrando um esmero raro e uma compreensão aguçada do universo caipira que Chico Bento representa.

Fernando Fraiha, conhecido por trabalhos como La Vingança e Bem Vinda, Violeta!, e com experiência na produção de Turma da Mônica: Laços e Lições, adentra o universo de Chico Bento com uma sensibilidade que transcende a mera direção de um filme infantil. Sua abordagem é um sopro de originalidade, evitando maneirismos comuns ao gênero e focando em uma direção que respeita a essência do personagem e a riqueza do ambiente rural. A escolha de Bragança Paulista e Itatiba, no interior de São Paulo, para recriar a fictícia Vila Abobrinha, é um testemunho desse compromisso, oferecendo locações autênticas que dão vida e cor ao universo do Chico. Esse cuidado com os detalhes, a luz dourada do interior paulista capturada pela cinematografia de Gustavo Hadba, e a trilha sonora envolvente, são elementos que transportam o espectador para um Brasil profundo e muitas vezes esquecido, evocando uma nostalgia agridoce, mas sempre envolvente.

A trama central do filme, escrita por Elena Altheman, Raul Chequer e Fernando Fraiha, em sua essência, é simples: Chico Bento se vê diante do desafio de salvar sua amada goiabeira, ameaçada pela construção de uma estrada que cortaria a região. No entanto, essa simplicidade esconde uma complexidade temática impressionante. O roteiro não é ingênuo; ele se aprofunda em questões complexas como a luta pela terra, a preservação ambiental e o embate entre tradição e progresso. A pergunta “Que mundo é esse que troca goiaba por asfalto?” ecoa não apenas como um grito de alerta do protagonista, mas como uma reflexão contundente sobre os valores distorcidos de uma sociedade que, em nome do lucro e de um falso progresso, desconsidera o essencial. O filme explora como o progresso, muitas vezes, é vendido como uma solução universal, mas pode ocultar armadilhas e interesses especulativos que não beneficiam a todos, apenas a quem busca lucrar.

Um dos maiores acertos do filme reside na forma como ele retrata a vida e as questões do campo. Longe de estereótipos ofensivos, o filme enxerga a cultura caipira com extremo respeito, celebrando suas tradições e seu estilo de vida. A narrativa valoriza as raízes, a amizade e a luta por aquilo que realmente importa. Ela consegue ampliar a experiência infantil para algo mais reflexivo, convidando Chico Bento a ouvir opiniões diferentes e a enxergar o mesmo problema de ângulos diversos. Essa abordagem pedagógica tem um impacto direto na jornada do protagonista, levando à sua transformação em um líder de resistência camponesa. O amadurecimento de Chico é palpável, mas nunca parece forçado, mostrando que a inteligência e a capacidade de liderança não se limitam à idade.

As atuações são um capítulo à parte na análise de Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa. Isaac Amendoim, no papel principal, é a encarnação perfeita de Chico Bento. Sua doçura, naturalidade, comicidade e inteligência estão estampadas no rosto do jovem ator, que faz o público acreditar que ele é o Chico que todos conhecemos. A performance de Isaac é autêntica, fruto de sua própria vivência no interior, o que confere ao personagem uma verdade impressionante. Ele carrega o filme com maestria, com um timing cômico impecável e uma profundidade inesperada nos momentos dramáticos. Outro destaque notável é Pedro Dantas, que interpreta Zé Lelé com uma energia irresistível e um tempo cômico que arranca gargalhadas. A química entre os atores mirins é orgânica, garantindo risadas e momentos emocionantes, e a escolha do elenco infantil foi minuciosa, resultando em performances que capturam a essência de seus personagens.

O elenco adulto também brilha, com nomes de peso que agregam ainda mais valor à produção. Débora Falabella como a professora Marocas entrega uma interpretação que parece ter sido arrancada diretamente dos quadrinhos, personificando uma feminilidade exemplar e auxiliando as crianças em sua missão. Thais Garayp como a inesquecível Vó Dita e Luis Lobianco como o rabugento Nhô Lau são outros pontos altos, enriquecendo a narrativa com suas presenças marcantes. A participação especial de Taís Araújo, que encarna o espírito da goiabeira, é um toque místico e visualmente deslumbrante, adicionando uma camada poética e lírica à história e dando ainda mais importância à árvore central da trama. Embora os pais de Chico, como Nhô Bento (Guga Coelho) e Dona Cotinha (Lívia La Gatto), apresentem um tom por vezes mais ingênuo do que o esperado dos quadrinhos, o conjunto das atuações é amplamente elogiado pela sua naturalidade e capacidade de transportar o público para a Vila Abobrinha.

Os aspectos técnicos do filme demonstram um cuidado e carinho em cada detalhe. A cinematografia de Gustavo Hadba é um espetáculo à parte, utilizando as paisagens do interior para compor um filme belíssimo, com enquadramentos que ressaltam a beleza natural das locações e as emoções dos personagens. A direção de arte é rica em detalhes que evocam a simplicidade e o calor humano do interior brasileiro, enquanto a trilha sonora, a cargo de Fabio Góes e Ivan Vilela, é uma mistura encantadora de momentos leves e dramáticos, potencializando cada cena de forma significativa. O filme não aproveita muito o espaço da roça em termos de grande número de locações, utilizando poucas áreas para a Vila Abobrinha (refeita em quatro fazendas), o que poderia limitar o impacto visual. No entanto, a constante movimentação das crianças, correndo de um lado para o outro, preenche a tela com uma energia vibrante que dá alma à fita, e essa energia é muito bem fotografada.

A goiabeira, que dá título ao filme, transcende sua função como mero cenário ou objeto de disputa. Ela se torna, de fato, uma personagem central e um símbolo poderoso. Sua ligação com Chico Bento é apresentada de forma quase mística, desde antes de seu nascimento, com a tradição familiar de plantar uma árvore a cada novo integrante, e a semente da goiabeira se perdendo e florescendo nas terras de Nhô Lau. Essa árvore representa não apenas a fonte de frutas deliciosas, mas a história, a cultura, a identidade e a memória de toda uma comunidade, funcionando como um elo entre o ser humano e a natureza.

Ao contrário de adaptações anteriores que se basearam diretamente em graphic novels já existentes, Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa apresenta uma trama original inspirada no universo do personagem. Isso permitiu aos roteiristas desenvolver uma narrativa mais livre, com tópicos relevantes e bem explorados, como a importância de ouvir o próximo, a união em tempos de adversidade e a preservação da natureza. A forma como o filme integra o aprendizado escolar, com as crianças usando conhecimentos de geografia para traçar planos e resolver o problema da goiabeira, é um exemplo notável de análise pedagógica sutil e eficaz. Ele ensina lições valiosas sobre amizade, o cuidado com a natureza e a convivência com o verde e a vida animal, preparando as crianças para o mundo que irão herdar.

O Dotô Agripino (Augusto Madeira) e seu filho Genesinho (Enzo Henrique), apesar de alguns momentos caricatos e um certo subdesenvolvimento em suas motivações, funcionam como um contraponto necessário para a jornada de resistência do Chico. O embate final, embora possa soar exagerado, faz parte do escopo narrativo desse tipo de obra e serve como um fechamento engraçado, destacando como os adultos, muitas vezes, falham em ouvir o que as crianças têm a dizer, mesmo quando estão falando verdades importantes. As tentativas de suborno com quitandas da roça ilustram bem a ingenuidade dos vilões e a perspicácia das crianças em não se deixarem enganar.

Em meio a um cinema nacional que busca reconquistar o público infantojuvenil, Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa se estabelece como um marco. Ele não é apenas um filme divertido; é uma celebração da infância brasileira e uma poderosa mensagem sobre união, preservação ambiental e a importância do conhecimento. Conecta gerações pelo amor à cultura nacional, evocando a doçura e a esperteza típicas das histórias de Maurício de Sousa. A produção conseguiu atingir a marca de 1 milhão de espectadores e se destaca no Letterboxd como o live-action infantil nacional mais bem avaliado, um feito que atesta sua qualidade e ressonância com o público. É uma obra que, com leveza e profundidade, lembra-nos de que a verdadeira riqueza está naquilo que não pode ser comprado ou vendido, e que a defesa do meio ambiente e de nossas raízes é fundamental. Ao fim, Chico Bento não salva apenas uma goiabeira; ele resgata uma parte essencial da nossa própria humanidade.

Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa (Brasil, 2025)
Direção: Fernando Fraiha
Roteiro: Elena Altheman, Raul Chequer, Fernando Fraiha
Elenco: Isaac Amendoim, Pedro Dantas, Anna Júlia Dias, Davi Okabe, Lorena Oliveira, Luís Lobianco, Augusto Madeira, Enzo Henrique, Débora Falabella, Taís Araújo, Thais Garayp, Guga Coelho, Lívia La Gatto
Duração: 90 min.
Nota: ⭐⭐⭐⭐

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