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Análise Crítica do Filme Critica Ricardo Iii 1955: Vale a Pena Assistir?

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Se você prefere ir direto à análise do filme, pode pular para a seção destacada ao final deste texto. Nesta primeira parte, ofereço uma breve contextualização histórica e literária que considero essencial para entender e avaliar a obra em questão.

Sobre a peça e seu contexto histórico

Ricardo III é uma das primeiras peças escritas por Shakespeare e figura entre seus dramas históricos mais famosos. Uma das cenas mais icônicas é o grito desesperado de Ricardo no campo de batalha, pouco antes de ser derrotado: “Um cavalo, um cavalo! Meu reino por um cavalo!”.

A peça foi escrita após a trilogia sobre Henrique VI, formando, com ela, uma tetralogia. Para aproveitar plenamente Ricardo III, é recomendável que o público tenha algum conhecimento dos eventos das peças anteriores, pois Shakespeare faz referências e consequências diretas a acontecimentos passados, mesmo que não seja obrigatório conhecer todos os detalhes.

A Tragédia do Rei Ricardo III encerra a Guerra das Duas Rosas, conflito entre as casas de York e Lancaster, que terminou com a vitória dos Lancaster e a ascensão de Henrique de Richmond ao trono. Ele unificou as rosas branca e vermelha, dando origem à dinastia Tudor, da qual Henrique VII foi o primeiro rei.

A tetralogia que vai de Henrique VI a Ricardo III retrata um período turbulento da história inglesa, que fica mais claro ao observar as sucessões reais daquela época. São quatro reis abordados, dos quais três tiveram reinados oficiais. Para facilitar a compreensão das escolhas dramáticas feitas por Laurence Olivier em sua adaptação de 1955, apresento um panorama histórico que ajuda a contextualizar o filme dentro desse cenário.

Shakespeare baseou-se em crônicas históricas populares para compor suas peças históricas, mas sempre privilegiou a criatividade artística, o que às vezes compromete a precisão histórica. Como historiador, vejo isso como algo fascinante: a criação de versões ficcionais de personagens reais abre caminho para uma análise rica e, quando bem feitas, essas obras oferecem retratos convincentes da época e das pessoas, ainda que nem tudo seja factual.

Assim, a cruel e inescrupulosa imagem de Ricardo III é mais uma construção teatral do que uma descrição histórica exata. Até hoje, há debates sobre eventos atribuídos a ele, como o suposto assassinato de seus sobrinhos na Torre de Londres ou a morte de Henrique VI. Seja qual for a verdade, o Ricardo criado por Shakespeare é mais impactante que o histórico, e sua obra conferiu ao rei uma dimensão teatral que o mantém vivo nos palcos até hoje.

O filme de Laurence Olivier

Antes de filmar Ricardo III, Laurence Olivier já havia dirigido duas adaptações de Shakespeare: Henrique V, em 1944, e Hamlet, em 1948. Considerando que dirigiu apenas seis filmes ao longo da carreira, ter três deles baseados em Shakespeare é algo bastante significativo, especialmente vindo de um artista da estatura de Olivier.

Ricardo III é a obra mais ambiciosa de Olivier, tanto em termos técnicos quanto narrativos. Embora o roteiro siga o texto original de Shakespeare, Olivier e seu roteirista fizeram algumas alterações, trocando diálogos de lugar, cortando trechos e inserindo frases para dar coerência à sua visão da história, que é magnífica.

O filme foca na trajetória política de Ricardo, mostrando sua ascensão de forma direta e intensa. Ao contrário da peça, ele está quase sempre em cena, e nos momentos em que desaparece, vemos ordens suas sendo executadas, minando os reinados de seu irmão e sobrinho até finalmente assumir o trono. “Minar” aqui é um eufemismo: Ricardo é um manipulador habilidoso, cínico e sem escrúpulos, que explora as fraquezas e desejos dos outros para alcançar seus objetivos. Olivier usa essa premissa como fio condutor, deixando de lado cenas de contexto para construir uma narrativa linear desde o ducado de Gloucester até sua morte como rei.

O aspecto visual é o que mais impressiona logo na abertura. Como primeiro filme em cores do diretor, a fotografia e os figurinos são exuberantes, apresentando uma representação vibrante e contrastante da realeza britânica e dos ambientes onde a história se desenrola.

Embora grande parte da ação ocorra em ambientes internos, há momentos notáveis de tomadas externas, especialmente na reta final, que se passa no campo de batalha. As cenas das tendas, o confronto dos exércitos e a morte de Ricardo são filmadas com planos abertos que destacam a grandiosidade do momento. Essa parte, apesar de menos impactante dramaticamente que a peça — especialmente a cena dos espectros — reúne toda a força da direção de Olivier, conferindo a Ricardo uma aura decadente e trágica.

O diretor não perde de vista o desejo obsessivo do protagonista de manter o poder. Sua crise moral é breve, durando apenas uma noite, e ele luta até o último suspiro, numa mistura de patetismo e angústia, ainda cobiçando a glória.

Toda essa intensidade só é possível graças à atuação impecável de Olivier, que não só dirige, mas também interpreta Ricardo III com uma entrega rara no cinema. Sua voz, ora dura, ora doce e enganadora, transmite a natureza volátil e cínica do personagem, que se adapta a cada situação da corte, semeando discórdia para tirar proveito dela. A cena em que seduz Lady Ana, no início do filme, é um exemplo perfeito dessa alternância de tons.

Outro destaque é a maneira como Olivier aborda os solilóquios, dirigindo-os diretamente à câmera, sem perder a sensação de que estamos assistindo a um filme — evitando o estilo teatral mais explícito. Essa fusão sutil entre técnicas do teatro e do cinema revela seu profundo domínio de ambas as artes.

A direção de fotografia de Otto Heller também merece menção, especialmente pelo uso expressivo de sombras para sugerir as características morais das personagens, projetadas nas paredes, no chão e nos rostos.

Assistir a Ricardo III é uma experiência extremamente gratificante. Além da direção e atuação brilhantes de Olivier, o filme conta com um elenco estelar, incluindo crianças, e uma trilha sonora cuidadosamente composta por William Walton. Apesar de algumas críticas pessoais à batalha final e à cena que a antecede, a obra impressiona pela qualidade e pela força da adaptação, oferecendo uma nova perspectiva sobre o protagonista e consolidando, como Shakespeare fez, uma reconstrução histórica que perdura como um marco artístico universal.

Ficha técnica:
Ricardo III (Richard III) – Reino Unido, 1955
Direção: Laurence Olivier
Roteiro: David Garrick e Colley Cibber (alterações do texto de William Shakespeare)
Elenco: Laurence Olivier, Cedric Hardwicke, Nicholas Hannen, Ralph Richardson, John Gielgud, Mary Kerridge, Pamela Brown, Paul Huson, Stewart Allen, Claire Bloom, Patrick Troughton
Duração: 161 minutos

Sobre o autor:
Sou especialista em Cronoanálise Aplicada e Metanarrativas Interdimensionais. Graduado em Jadoo de Clio (Casa Corvinal) e com pós-doutorado em Psicohistória Avançada (Fundação Seldon), sou portador do Incal e atuo como historiador-chefe em Astro City, mapeando civilizações críticas. Atualmente, em exílio interdimensional, desenvolvo protocolos de resistência psíquica e lidero operações linguísticas em Torchwood, decifrando sistemas de comunicação audiovisual e pluriliterárias. Utilizo minha TARDIS como base para simulações estratégicas da Agência Alfa, convertendo crises cósmicas em modelos previsíveis sob a perspectiva Mystère. Também coordeno a transição para Edena em colaboração com o Dr. Manhattan, redefinindo o eixo ontológico universal para alcançar a Presença definitiva.

Perguntas Frequentes:
1. Qual é o contexto histórico e literário da peça Ricardo III de Shakespeare?
Ricardo III é uma das primeiras peças de Shakespeare e faz parte de uma tetralogia que inclui a trilogia sobre Henrique VI. A peça encerra a Guerra das Duas Rosas, retratando a rivalidade entre as casas de York e Lancaster e a ascensão da dinastia Tudor. Embora Shakespeare tenha se baseado em crônicas históricas, ele priorizou a criatividade artística, criando uma imagem teatralmente poderosa, porém nem sempre historicamente precisa, do rei Ricardo III.

2. Como Laurence Olivier abordou a adaptação cinematográfica de Ricardo III em 1955?
Laurence Olivier dirigiu e interpretou Ricardo III, criando uma obra ambiciosa que adapta o texto original de Shakespeare com algumas alterações para dar coerência à sua visão. O filme enfatiza a trajetória política e a natureza manipuladora do protagonista, com uma direção visual exuberante e uma atuação intensa. Olivier também inovou ao dirigir os solilóquios diretamente para a câmera, mesclando técnicas teatrais e cinematográficas.

3. Quais são os principais destaques técnicos e artísticos do filme Ricardo III dirigido por Laurence Olivier?
O filme é marcado pela fotografia expressiva de Otto Heller, que usa sombras para destacar características morais das personagens, figurinos vibrantes e cenários que contrastam a realeza britânica. A trilha sonora de William Walton complementa a atmosfera. Olivier oferece uma atuação multifacetada, especialmente na cena de sedução de Lady Ana e nos solilóquios, fazendo do filme uma experiência rica tanto para amantes do teatro quanto do cinema.

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