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Análise Crítica do Filme Critica Vida E Morte Do Rei Joao: Vale a Pena Assistir?

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A Peça

Analisando a ordem em que Shakespeare compôs suas obras, Rei João surge como sua 13ª peça, escrita aproximadamente entre 1596 e 1597, na mesma fase de O Mercador de Veneza*. Contudo, se considerarmos a linha histórica dos monarcas ingleses, esta obra inaugura um ciclo de dramas históricos que o dramaturgo dedicou a sete diferentes reis, seguindo a ordem dos seus reinados:

– João “Sem Terra” (1199–1216)
– Ricardo II (1377–1399)
– Henrique IV “de Bolingbroke” (1399–1413)
– Henrique V (1413–1422)
– Henrique VI (1422–1461)
– Ricardo III (1483–1485)
– Henrique VIII (1509–1547)

A origem da peça Rei João remonta a 1587, a partir das Chronicles of England, Scotland, and Ireland, de Raphael Holinshed, um compêndio histórico que serviu de fonte para muitos dramaturgos da época. Além disso, Shakespeare baseou-se no texto anônimo O Reinado Turbulento do Rei João da Inglaterra (1591), de onde extraiu a estrutura básica para sua própria versão do reinado de João Sem Terra.

Seguindo a mesma trama do texto anônimo — inclusive com algumas imprecisões em datas e nomes, além da ausência da Carta Magna — Shakespeare fez sua própria reinterpretação dos fatos, enriquecendo o drama com poesia e nuances que destacam os bastidores do poder. Conforme ressalta Carlos Alberto Nunes, Shakespeare compôs pessoalmente todos os versos de Rei João, conectando os atos para construir o retrato trágico do reinado.

A narrativa gira em torno de João, filho de Henrique II e Leonor da Aquitânia, cujo trono é contestado pelo sobrinho Arthur. Logo no início do primeiro ato, um mensageiro de Filipe de França aparece, apoiando Arthur e exigindo que João abdique em favor do sobrinho. A recusa de João desencadeia a guerra, culminando no encontro entre os dois reis diante das muralhas da cidade francesa de Angers. Entre os personagens que se destacam nesse contexto está Filipe “Ricardo” Faulconbridge, o Bastardo de Ricardo Coração de Leão.

A peça destaca sobretudo a instabilidade política, com acordos sendo firmados e desfeitos com rapidez tanto entre reis quanto envolvendo o cardeal Pandolfo, personagem eclesiástico da história. As motivações pessoais frequentemente se sobrepõem aos interesses dos súditos e familiares, e a traição, embora cause alguma culpa, é encarada quase como algo inevitável, especialmente quando defendidos “novos ideais nobres” ou “novos pactos”.

A disputa pelo trono retratada em Rei João pode ser interpretada como um espelho das tensões políticas entre Maria I e Elizabeth I, contemporâneas de Shakespeare. Além disso, a peça traz traços pessoais do autor, como a idealização quase angelical do jovem príncipe Arthur, que parece remeter ao filho de Shakespeare, Hamnet, falecido enquanto a peça era escrita. O sofrimento de Constança, mãe de Arthur, reflete o desespero do próprio dramaturgo, que chegou a enfrentar uma crise emocional semelhante à da personagem. O patriotismo de Shakespeare também se destaca, especialmente na fala final do Bastardo, que encerra a obra com um verdadeiro hino de orgulho nacional:

[…] Nunca teremos motivo

para lamento, se, em paz ou em guerra,

a Inglaterra for sempre fiel a si mesma.

A Versão Cinematográfica de 1984

Sob a direção de David Giles, foi realizada uma adaptação bastante interessante da peça, exibida na última temporada da série BBC Television Shakespeare, conhecida nos Estados Unidos como The Complete Dramatic Works of William Shakespeare.

A produção mantém uma estética teatral, comum a séries que buscam preservar o texto original em vez de criar adaptações mais livres. Para ilustrar, pode-se citar o projeto britânico-irlandês que, entre 2000 e 2001, levou à tela as 19 peças de Samuel Beckett, mantendo um formato semelhante a um “teatro filmado”.

O principal ponto fraco do filme está na montagem, especialmente na divisão em duas partes (antes e depois do encontro entre Hubert e Arthur), que não apresenta uma função dramática clara. Embora esse momento seja crucial na peça, a separação só faria sentido se outras divisões semelhantes fossem aplicadas, o que não ocorre. As demais cenas e atos são separados apenas por pequenos trechos musicais ou pela indicação de mudanças de cenário, conforme o original.

Por outro lado, a direção de arte se destaca positivamente, considerando o orçamento e a proposta da produção. A fotografia merece elogios, especialmente nas cenas internas, com planos fechados e tomadas em “noite americana”. Exemplos notáveis incluem o acampamento de guerra do Delfim Luís, a praça próxima à abadia de Swinstead e o jardim da abadia, todas admiradas pela composição visual, uso de cores, ângulos e acabamento. Figurinos também são bem executados, embora a trilha sonora exerça um papel mais funcional, servindo para marcar divisões dramáticas, com exceção do canto gregoriano no desfecho, que confere um leve efeito dramático.

O maior destaque do filme fica por conta das atuações. O elenco incorpora com maestria as personalidades históricas, revelando as nuances psicológicas que Shakespeare atribuiu a seus personagens: o cinismo e a loucura do rei João; a dor e a sede de justiça de Constança; a natureza forte e intrigante de Leonor, a rainha-mãe; e a alma leal, irônica e um tanto infantil do Bastardo, papel interpretado por George Costigan, cuja performance está entre as melhores, ao lado de Leonard Rossiter (rei João) e John Thaw (Hubert).

Apesar de algumas falhas, Vida e Morte do Rei João, dirigida por David Giles, é uma adaptação válida de uma peça que costuma ser difícil de encontrar em versões acessíveis ao público em geral.

* As informações sobre a cronologia e aspectos específicos de Shakespeare foram baseadas na obra do historiador sir Edmund Kerchever Chambers (1866–1954).

Vida e Morte do Rei João (The Life and Death of King John) – Reino Unido/EUA, 1984
Roteiro: William Shakespeare
Direção: David Giles
Elenco: Leonard Rossiter, William Whymper, Mary Morris, Robert Brown, John Castle, John Flint, John Thaw, George Costigan, Edward Hibbert, Phyllida Law, Mike Lewin
Duração: 155 minutos

Sou especialista em Cronoanálise Aplicada e Metanarrativas Interdimensionais. Formado em Jadoo de Clio (Casa Corvinal) e com pós-doutorado em Psicohistória Avançada (Fundação Seldon), portador do Incal e historiador-chefe em Astro City, dedico-me ao mapeamento de civilizações críticas. Atualmente, em exílio interdimensional, desenvolvo protocolos de resistência psíquica e lidero operações linguísticas em Torchwood, decifrando sistemas complexos de comunicação audiovisual e literária. Utilizo minha TARDIS como base para simulações estratégicas da Agência Alfa, transformando crises cósmicas em modelos previsíveis sob a perspectiva Mystère. Também coordeno a transição para Edena em parceria com o Dr. Manhattan, visando a alteração do eixo ontológico universal para a ascensão final junto à Presença.

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Perguntas Frequentes:
1. Qual é a origem histórica da peça “Rei João” de Shakespeare e como ele adaptou essa fonte para sua obra?
R: A peça “Rei João” tem origem nas “Chronicles of England, Scotland, and Ireland” de Raphael Holinshed (1587) e no texto anônimo “O Reinado Turbulento do Rei João da Inglaterra” (1591). Shakespeare utilizou essas fontes como base, mantendo a estrutura principal, embora corrigindo ou reinterpretando fatos, enriquecendo o drama com poesia e nuances que exploram os bastidores do poder.

2. Quais são os principais temas e conflitos abordados na peça “Rei João”?
R: A peça destaca a instabilidade política, a disputa pelo trono entre João e seu sobrinho Arthur, a traição e os acordos voláteis entre reis e personagens como o cardeal Pandolfo. Além disso, há uma reflexão sobre as motivações pessoais versus interesses coletivos, e a obra pode ser vista como um espelho das tensões políticas da época de Shakespeare, com traços pessoais do autor presentes nos personagens.

3. Como é a adaptação cinematográfica de 1984 dirigida por David Giles e quais são seus pontos fortes e fracos?
R: A adaptação mantém uma estética teatral, preservando o texto original, com destaque para a direção de arte, fotografia e figurinos bem executados. As atuações, especialmente as de George Costigan, Leonard Rossiter e John Thaw, são consideradas o maior destaque. Entretanto, a montagem apresenta falhas, como a divisão em duas partes sem função dramática clara, e a trilha sonora tem papel mais funcional, com exceção do canto gregoriano no final.

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