Desde o final dos anos 1990, as séries e minisséries de televisão vêm apresentando uma evolução notável em qualidade. Alguns críticos até sugerem que esse avanço ocorre em contraste com a fase atual do cinema, o que pode não estar tão distante da realidade ao refletirmos sobre o assunto.
Dentro desse cenário televisivo rico, especialmente nos canais a cabo e nas plataformas de streaming, ocasionalmente surgem produções que se destacam de maneira especial. A mais recente entre elas é, sem dúvida, Breaking Bad. Porém, olhando para um passado recente, outras obras também merecem estar entre as melhores já realizadas, como A Família Soprano, Seinfeld, The Wire, Battlestar Galactica, Deadwood e Mad Men.
O que chama atenção, contudo, é quando nos deparamos com pequenas obras-primas que, apesar de não terem recebido grande atenção, campanhas publicitárias intensas ou destaque midiático, permanecem disponíveis para quem desejar apreciá-las. Um exemplo disso é Top of the Lake, uma minissérie criada por Jane Campion (diretora de O Piano) e Gerard Lee, exibida pela BBC Two, UKTV e Sundance Channel entre março e abril de 2013. Curiosamente, sua estreia ocorreu durante o Festival de Sundance de 2013, sendo a primeira minissérie a ganhar essa distinção no evento.
A trama gira em torno do desaparecimento de Tui (Jacqueline Joe), uma garota de 12 anos grávida, que tenta suicídio no lago que cerca a pequena cidade de Laketop, na Nova Zelândia. A detetive Robin Griffin (Elisabeth Moss, conhecida por Mad Men), especialista em psicologia infantil, está de férias na cidade natal para cuidar de sua mãe doente, mas acaba envolvida no caso que se torna cada vez mais complexo.
No entanto, a sinopse não revela a verdadeira essência da série. Ao invés de uma típica narrativa investigativa, Top of the Lake se destaca por seu tom contemplativo. Em vez de personagens estereotipados, apresenta figuras multifacetadas, cujas profundezas são apenas sugeridas e nunca totalmente explicadas. E, ao contrário da expectativa de cenas violentas ou ação desenfreada, a série aposta em longas tomadas que mesclam a beleza e o mistério da paisagem local com o cotidiano dos moradores, resultando em uma experiência nada convencional.
A natureza desempenha um papel crucial na narrativa. Sob a direção de Campion e Garth Davis, cada episódio evidencia a insignificância humana diante da vastidão do planeta. A floresta que envolve o vilarejo é imensa e os lagos que o cercam criam um cenário onde encontrar Tui parece uma missão impossível, sentimento compartilhado até mesmo pela própria Robin, que se mostra frustrada diante da situação.
Outro ponto forte da série é a sutileza com que aborda a corrupção. Sem diálogos expositivos, a trama transmite muito através de olhares e gestos, como a troca silenciosa de envelopes. Na cidade, controlada por Matt (Peter Mullan), um “rei das drogas” que luta contra seus próprios demônios e traumas, a corrupção é quase uma atmosfera natural. Os personagens que não estão envolvidos diretamente parecem aceitar essa realidade como parte do cotidiano. Mesmo Robin, inicialmente, não adota uma postura combativa, mas isso muda à medida que a história avança.
O passado doloroso da protagonista é inserido de maneira fluida na narrativa, evitando que se torne invasivo, embora a forma como é resolvido no final possa parecer um pouco apressada. Ainda assim, isso não compromete a experiência geral da série.
Além disso, Jane Campion se faz presente na trama através da personagem GJ (Holly Hunter, quase irreconhecível), uma espécie de guru espiritual que lidera um grupo de mulheres em um espaço chamado Paraíso, onde elas buscam conforto e orientação. A caracterização de Hunter, com seus longos cabelos brancos, remete à própria diretora, sugerindo uma conexão direta entre criadora e personagem.
Esse Paraíso funciona como um refúgio para vários personagens, cada um em suas próprias situações, incluindo Tui, Matt e Robin. A presença dessas mulheres, que vivem ali em uma comunidade quase utópica, simboliza uma busca por significado que não pode ser plenamente explicada – e talvez não precise ser. Dentro do universo da série, marcado pela força da natureza, essa convivência funciona de maneira surpreendente.
Top of the Lake exige do espectador paciência e abertura para narrativas diferentes e ousadas. Mesmo com falhas, como a conclusão apressada de algumas tramas, a minissérie merece mais reconhecimento entre os fãs de televisão. Se quisermos que esse meio continue a se desenvolver artisticamente, obras como essa podem apontar caminhos promissores.
Top of the Lake (EUA/Austrália/Nova Zelândia, 2013)
Showrunners: Jane Campion, Gerard Lee
Roteiro: Jane Campion, Gerard Lee, Garth Davis
Direção: Jane Campion, Garth Davis
Elenco: Elisabeth Moss, Thomas M. Wright, Peter Mullan, David Wenham, Skye Wansey, Geneviève Lemon, Robyn Malcolm, Holly Hunter, Madeleine Sami, Kip Chapman, Jacqueline Joe
Duração: 350 minutos (7 episódios de aproximadamente 50 minutos cada)
Perguntas Frequentes:
1. O que torna a minissérie “Top of the Lake” diferente de outras séries investigativas tradicionais?
“Top of the Lake” se destaca por seu tom contemplativo e pela profundidade de seus personagens multifacetados, evitando estereótipos e cenas de ação convencionais. A série utiliza longas tomadas que combinam a beleza da paisagem natural com o cotidiano dos moradores, criando uma narrativa que valoriza o mistério e a reflexão, ao invés de focar apenas na investigação policial.
2. Qual é o papel da natureza na narrativa de “Top of the Lake”?
A natureza é um elemento central na série, simbolizando a vastidão e a insignificância humana diante do planeta. As florestas e lagos que cercam a pequena cidade de Laketop criam um cenário desafiador para a busca pela garota desaparecida, reforçando o sentimento de impotência da detetive Robin Griffin e intensificando o clima de mistério e tensão da trama.
3. Como a minissérie aborda temas como corrupção e espiritualidade?
A corrupção é apresentada de forma sutil, sem diálogos explicativos, mas transmitida por meio de gestos e olhares, mostrando uma ambientação onde o controle pelo “rei das drogas” Matt é natural para os moradores. Já a espiritualidade aparece na figura da personagem GJ, interpretada por Holly Hunter, que lidera um grupo de mulheres em um espaço chamado Paraíso, simbolizando uma busca por significado e conforto em meio às dificuldades enfrentadas pelos personagens.
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