Análise primeira temporada Marvel Zombies
O cinema, e mais recentemente a televisão, tem se debruçado sobre a figura do zumbi com uma voracidade quase tão implacável quanto a das próprias criaturas. Em meio a essa saturação, surge “Marvel Zombies”, uma série que promete reanimar o gênero através das lentes do universo de super-heróis da Marvel. Lançada em 2025, esta primeira temporada se desdobra como uma continuação direta do aclamado episódio “What If… Zombies?!” da série “What If…?”, oferecendo uma visão ainda mais sombria e visceral de um mundo onde os heróis mais poderosos da Terra sucumbiram a uma praga viral. Sob a direção de Bryan Andrews, que já havia conduzido o capítulo original de “What If…?”, e com o roteiro de Zeb Wells, a minissérie se propõe a explorar as consequências de um apocalipse zumbi em escala global, onde os ícones da esperança se tornaram os arautos do desespero. A grande questão que se impõe é se “Marvel Zombies” consegue ir além da simples curiosidade de ver Capitão América comendo miolos, transformando a premissa em algo substancialmente crítico ou meramente exploratório do gore.
A série mergulha de cabeça em um universo já estabelecido, onde a praga zumbi aniquilou grande parte da humanidade e infectou a maioria dos Vingadores. A narrativa não perde tempo em contextualizar, jogando o espectador diretamente em um cenário pós-apocalíptico cinco anos após os eventos que originaram a catástrofe. É uma escolha narrativa audaciosa, que confia na familiaridade do público com o conceito introduzido anteriormente e evita a redundância de recomeçar a história da infecção. Em vez disso, o foco é na sobrevivência e na busca por uma cura, liderada por um grupo inesperado de heróis remanescentes, como Ms. Marvel, Kate Bishop, Shang-Chi e Ironheart. O roteiro de Zeb Wells se esforça para manter um senso de urgência, com cada episódio apresentando novos desafios e confrontos brutais. A desconstrução dos arquétipos heroicos é um dos pontos mais fascinantes: ver personagens que antes representavam a esperança agora lutando pela mera existência, ou pior, como versões monstruosas de si mesmos, oferece um comentário mordaz sobre a fragilidade do poder e da identidade.
A direção de Bryan Andrews é crucial para o impacto da série. Mantendo o estilo de animação cel-shaded que se tornou a assinatura de “What If…?”, Andrews eleva a aposta no que diz respeito ao horror e à violência gráfica. “Marvel Zombies” é a primeira produção animada da Marvel Studios com classificação etária TV-MA, e isso é evidente em cada cena. O gore é explícito e sem pudores, servindo não apenas como um choque barato, mas como um lembrete constante da gravidade da situação. A paleta de cores escura e a cinematografia focada em ambientes desolados amplificam a sensação de um mundo sem esperança. Há um cuidado em mostrar os zumbis não apenas como hordas descerebradas, mas como entidades que, em alguns casos, retêm resquícios de suas personalidades e poderes originais, tornando-os adversários ainda mais aterrorizantes. A luta contra um Capitão América zumbificado ou uma Wanda Maximoff consumida pela doença, por exemplo, é carregada de um peso dramático que transcende a ação superficial.
As atuações vocais são um pilar da série, com muitos dos atores do Universo Cinematográfico Marvel reprisando seus papéis. A presença de vozes familiares como Iman Vellani como Kamala Khan, Paul Rudd como Scott Lang, Elizabeth Olsen como Wanda Maximoff e Hailee Steinfeld como Kate Bishop confere uma autenticidade e uma conexão imediata com os personagens que o público já conhece e ama. Essa familiaridade, paradoxalmente, torna a experiência mais chocante ao vê-los em situações tão extremas. A performance de Iman Vellani, em particular, se destaca ao trazer uma mistura de ingenuidade juvenil e resiliência inesperada para Kamala Khan, que se torna uma espécie de bússola moral em meio ao caos. A dinâmica entre os sobreviventes, suas perdas e a camaradagem forçada, é bem explorada, oferecendo momentos de genuína emoção e humor negro que temperam a atmosfera opressiva.
Tematicamente, “Marvel Zombies” vai além do mero espetáculo de zumbis e super-heróis. A série explora a ideia do que acontece quando a última linha de defesa da humanidade se torna sua maior ameaça. Ela questiona a natureza da esperança em face de uma aniquilação total e a capacidade de indivíduos comuns — ou heróis menos convencionais — de se erguerem quando os titãs caem. A série é uma meditação sobre a resiliência e a adaptabilidade, mas também sobre o sacrifício e a perda irremediável. O roteiro, embora em alguns momentos possa parecer apressado devido ao formato de minissérie de quatro episódios, consegue tecer uma narrativa coesa que culmina em um clímax que, embora não seja necessariamente otimista, oferece um vislumbre de um caminho adiante. A série não se esquiva das implicações sombrias de seu universo, explorando a fome insaciável dos zumbis e a brutalidade necessária para sobreviver.
Em última análise, “Marvel Zombies” não é apenas uma adição sanguinária ao vasto multiverso da Marvel, mas uma obra que, dentro de suas propostas de gênero, cumpre o que promete com estilo e ousadia. Ela consegue ser ao mesmo tempo divertida em seu exagero e reflexiva em suas implicações, oferecendo um estudo de caso sombrio sobre a anarquia e a sobrevivência. Para os fãs do gênero zumbi e para aqueles que apreciam uma abordagem mais visceral e madura dos personagens da Marvel, esta primeira temporada é um deleite macabro que justifica plenamente sua existência. É um lembrete de que mesmo os universos mais coloridos podem esconder horrores inimagináveis, e que a verdadeira força de um herói pode ser testada não apenas contra vilões cósmicos, mas contra a mais básica e incontrolável das pragas.
Marvel Zombies (Marvel Zombies – Estados Unidos, 2025)
Direção: Bryan Andrews
Roteiro: Zeb Wells
Elenco: Iman Vellani, Paul Rudd, Elizabeth Olsen, Hailee Steinfeld, Florence Pugh, Simu Liu, Dominique Thorne, David Harbour, Hudson Thames
Duração: aproximadamente 140 min.
Nota: ⭐⭐⭐⭐