Crítica Ne Zha 2 O Renascer da Alma
O fenômeno chinês que foi “Ne Zha” em 2019 não era apenas um filme, mas um divisor de águas, redefinindo as expectativas para a animação global e provando que o cinema chinês estava pronto para competir em escala internacional. Dirigido e roteirizado por Yu Yang, conhecido artisticamente como Jiaozi, o primeiro longa-metragem nos apresentou a uma reimaginação vibrante e corajosa de uma figura mitológica ancestral. Com essa premissa estabelecida e um sucesso de bilheteria estrondoso, a pressão sobre sua sequência, “Ne Zha 2: O Renascer da Alma”, era imensa. Felizmente, Jiaozi não apenas atende às expectativas, mas as supera, entregando uma obra que aprofunda as complexidades de seus personagens e o esplendor visual de seu universo, consolidando-se como um triunfo cinematográfico e um novo marco para a animação. Lançado na China em 29 de janeiro de 2025 e no Brasil em 25 de setembro de 2025, o filme rapidamente se tornou um sucesso de crítica e público, quebrando múltiplos recordes de bilheteria e se estabelecendo como a animação de maior arrecadação na história do cinema.
A narrativa de “Ne Zha 2: O Renascer da Alma” retoma imediatamente após os eventos cataclísmicos do primeiro filme, um desafio arriscado que a equipe de Jiaozi abraça com mestria. Após o sacrifício heroico que deixou os corpos de Ne Zha e de seu amigo, o príncipe dragão Ao Bing, em ruínas, a história mergulha na frágil esperança de sua reconstituição. O Mestre Taiyi Zhenren emprega a preciosa Flor de Lótus de Sete Cores para regenerar suas formas físicas, ainda que frágeis. No entanto, a crença equivocada do Rei Dragão Ao Guang de que seu filho, Ao Bing, pereceu, deflagra uma vingança avassaladora contra a Passagem de Chentang. O roteiro, novamente assinado por Jiaozi, é um tecido intrincado de ação e emoção. Ele explora com profundidade o conceito do “Renascer da Alma”, não apenas como uma ressurreição física, mas como uma jornada espiritual e emocional de autodescoberta e aceitação.
O que emerge é uma exploração fascinante sobre identidade, destino e o peso das segundas chances. Ne Zha e Ao Bing são forçados a uma união singular, com o espírito de Ao Bing residindo dentro de Ne Zha, criando uma dinâmica de personagem sem precedentes que é o verdadeiro coração do filme. Essa simbiose serve como metáfora para a superação de preconceitos e a força da amizade, temas que Jiaozi tece habilmente através de uma trama inspirada na clássica obra mitológica chinesa “A Investidura dos Deuses”. A complexidade da mitologia é apresentada de forma surpreendentemente acessível, permitindo que até mesmo os espectadores menos familiarizados com o cânone chinês se envolvam com a jornada dos heróis, embora a experiência seja enriquecida para quem assistiu ao filme original.
A direção de Jiaozi se mostra ainda mais madura e ambiciosa. A visão do cineasta é mais grandiosa e audaciosa, mas nunca à custa da essência de seus personagens. Ele orquestra sequências de ação que são um espetáculo visual, combinando a ferocidade das batalhas com a leveza da comédia e a profundidade de reflexões filosóficas. O trabalho de animação, realizado pelo estúdio Chengdu Coco Cartoon, é de ponta, elevando o padrão da indústria chinesa. Cada quadro é uma obra de arte, desde as batalhas neon-iluminadas nos céus até os momentos de introspecção subaquática, demonstrando um domínio visual que beira a poesia. A fluidez do movimento, a riqueza dos detalhes nos designs dos personagens e cenários, e o uso expressivo da cor criam um mundo imersivo e espetacular. A cinematografia é engenhosa, e a trilha sonora, composta por Wan Pin Chu, Rui Yang e Roc Chen, não é menos impactante, com melodias que amplificam a emoção e a grandiosidade épica de cada cena.
As atuações vocais são um pilar fundamental para o sucesso do filme. Lü Yanting empresta a Ne Zha uma vulnerabilidade feroz e um espírito rebelde que ressoa profundamente, enquanto Han Mo infunde Ao Bing com uma elegância gélida que cria um contraponto cativante. A química entre os dois dubladores é palpável, transformando a amizade entre Ne Zha e Ao Bing no cerne emocional da narrativa. Personagens de apoio como o hilário e profundo Taiyi Zhenren, dublado por Zhang Jiaming, e os pais de Ne Zha, Li Jing e Lady Yin, dublados por Chen Hao e Lü Qi, respectivamente, adicionam camadas de humor e drama, aprofundando os laços familiares e os sacrifícios inerentes à jornada dos protagonistas. O elenco como um todo entrega performances que dão peso genuíno a um universo de fantasia, garantindo que a grandiosidade visual seja sempre ancorada por emoções humanas críveis.
Os temas de “Ne Zha 2: O Renascer da Alma” são tão ricos quanto sua estética. O filme revisita a ideia da rebelião contra o destino e a importância de forjar o próprio caminho, uma mensagem poderosa e universal. A flor de lótus, um símbolo central, representa não apenas o renascimento, mas também a pureza em meio ao caos, uma metáfora para a jornada de Ne Zha e Ao Bing. Há uma discussão terna sobre a força da amizade e o sacrifício, mostrando que a cura não apaga a dor, mas a redefine. A produção também reafirma o lugar da China como uma potência na animação global, com um investimento crescente na área e produções de altíssimo nível. É um filme que honra suas raízes mitológicas, ao mesmo tempo em que as atualiza para uma nova geração, provando que histórias atemporais podem ser contadas com uma sensibilidade moderna e um brilho técnico deslumbrante.
“Ne Zha 2: O Renascer da Alma” é, em essência, uma continuação rara que não só amplifica a ação e o drama de seu predecessor, mas aprofunda as conexões emocionais de maneira significativa. É um testemunho do talento de Jiaozi e de sua equipe, que souberam construir um universo cinematográfico coeso e envolvente, recheado de espetáculo visual e ressonância emocional. Mais do que uma simples sequência, o filme se revela uma experiência cinematográfica essencial, capaz de cativar audiências de todas as idades com sua mitologia reimaginada, sua animação sublime e seu coração pulsante. Uma obra que merece ser vista e celebrada por sua ousadia e beleza, e que solidifica o legado de uma franquia que continua a florescer.
Ne Zha 2: O Renascer da Alma (哪吒之魔童闹海 – China, 2025)
Direção: Jiaozi
Roteiro: Jiaozi
Elenco: Lü Yanting, Han Mo, Lu Qi, Zhang Jiaming
Duração: 144 min.
Nota: ⭐⭐⭐⭐