Em um cenário cinematográfico que muitas vezes parece contentar-se com o previsível, surge uma obra que ousa chacoalhar as estruturas e redefinir o que esperamos de um épico contemporâneo. “Uma Batalha Após a Outra”, o décimo filme do aclamado Paul Thomas Anderson, estrelado por um intenso Leonardo DiCaprio, não é apenas um título; é uma promessa, um aviso e, finalmente, uma declaração sobre o nosso tempo. Lançado com grande expectativa e já colhendo louros da crítica, este longa-metragem se solidifica como uma experiência cinematográfica visceral, uma verdadeira maratona de conflitos que nos prende do primeiro ao último instante.
A expressão “uma batalha após a outra” encapsula com perfeição a essência desta produção grandiosa e ambiciosa. Não se trata apenas de sequências de ação bem coreografadas – embora elas existam em abundância, com perseguições de carro, explosões e tiroteios que marcam a incursão de Anderson no gênero de ação. A “batalha” aqui é multifacetada, tecida na trama de um ex-revolucionário, Bob Ferguson (DiCaprio), que é puxado de volta para um mundo de paranoia política e extremismo para resgatar sua filha de um inimigo ressurgido após 16 anos. Essa premissa, clássica em sua base de vingança e proteção familiar, serve como um motor narrativo para Paul Thomas Anderson explorar algo muito maior.
A Luta Sem Fim de um Século Perturbado
Anderson, conhecido por sua maestria em dramas e estudos de personagem em filmes como “Sangue Negro” e “O Mestre”, mergulha de cabeça em um terreno novo, entregando um filme que muitos já consideram capaz de “definir o Século 21”. O roteiro, adaptado livremente do denso livro “Vineland” de Thomas Pynchon, é uma reinvenção que extrai a essência do original para dialogar diretamente com o presente. O diretor “roubou” as partes que mais lhe interessavam, atualizando temas que outrora refletiam a era Reagan para a paisagem política conturbada de 2025.
“Uma Batalha Após a Outra” é um espelho implacável para o nosso mundo, abordando teorias da conspiração, autoritarismo de extrema direita, o surgimento de novos grupos racistas e a persistente crise de imigração nos Estados Unidos. O filme não apenas representa essas questões, mas as tece na própria estrutura da narrativa, transformando cada confronto em uma metáfora para as lutas internas e externas dos personagens. A obsessão do Coronel Lockjaw, o vilão interpretado por Sean Penn, com a imigração, por exemplo, é um claro aceno aos debates atuais, em contraste com a “Guerra às Drogas” que marcava o antagonista do livro original.
A Mão Mestra de Anderson e o Elenco Estelar
A direção de Paul Thomas Anderson é, como esperado, impecável. Ele maneja a longa duração de 170 minutos (2h42min) com um ritmo acelerado que, paradoxalmente, não se perde em excessos. Cada sequência adiciona uma nova camada à história, seja no desenvolvimento do protagonista, na crítica social afiada ou em cenas de ação espetaculares. É um filme que não subestima a inteligência do público, exigindo atenção, mas recompensando-a com uma tensão constante e um senso de urgência que permeia cada quadro.
A habilidade de Anderson em equilibrar tons é um dos grandes triunfos aqui. Quando a narrativa ameaça se tornar densa demais, ele injeta um humor ácido e ironia, funcionando como válvulas de escape essenciais. Essa abordagem jocosa é fundamental para equilibrar os lados do filme e evitar que ganhe tons pedantes, mesmo ao lidar com discussões políticas inflamadas.
O elenco é um show à parte. Leonardo DiCaprio entrega uma performance furiosa e ambiciosa como Bob Ferguson, um “herói” anacrônico que, por vezes, aparece vestido em um roupão, mostrando a profundidade e a complexidade que só ele pode trazer a um papel. Sean Penn, como o militar extremista e vilão, é “irreconhecível” e se destaca, com grandes chances de ser lembrado em premiações. A novata Chase Infiniti brilha como a filha de DiCaprio, Willa, conseguindo se destacar mesmo ao dividir a tela com gigantes. Benicio del Toro e Teyana Taylor também entregam performances marcantes, mesmo em papéis com menor tempo de tela, contribuindo para a riqueza da trama.
A trilha sonora original de Johnny Greenwood (da banda Radiohead), parceiro de longa data de Anderson, complementa a sensação de urgência e paranoia, elevando a imersão do espectador. A montagem de Andy Jurgensen é excepcional, garantindo que o tempo do filme não seja sentido, mesmo nas sequências mais lentas.
Reflexão e Impacto
“Uma Batalha Após a Outra” transcende o gênero de thriller, questionando o custo da rebelião e a natureza cíclica dos conflitos. A frase “Toda revolução começa lutando demônios, mas acaba lutando consigo mesma” ressoa como um eco das promessas não cumpridas do ativismo e da fadiga da luta. O filme é um retrato belo, triste e esperançoso não só da “América”, mas do nosso tempo, instigando o público a pensar sobre a luta contínua por um mundo mais justo.
Com “Uma Batalha Após a Outra”, Paul Thomas Anderson não só reafirma sua posição como um dos cineastas mais importantes da atualidade, mas também nos entrega um filme que é, ao mesmo tempo, um espetáculo de ação, uma comédia ácida e uma profunda reflexão sobre as infindáveis batalhas que definem a experiência humana no século XXI. É, sem dúvida, um dos grandes filmes do ano, uma obra que você não vai querer perder.
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