Quem será o próximo?
Um raro exemplo do dogiallo ítalo-espanhol, A Quarta Vítima não figura entre os títulos mais conhecidos do gênero, mas isso não se deve à falta de qualidade. Apesar de apresentar alguns tropeços na narrativa e um desenvolvimento irregular, o longa dirigido por Eugenio Martín mantém-se instigante, combinando suspense policial e investigação criminal em uma trama que manipula clichês de forma eficaz, especialmente em sua segunda metade.
A história gira em torno de Arthur Anderson (Michael Craig), um viúvo suspeito cujos três casamentos anteriores terminaram com a morte das esposas, rendendo-lhe vultuosos seguros de vida. O filme acompanha os eventos sombrios em torno desse personagem com certa frieza, alternando entre convenções previsíveis e momentos de narrativa bem conduzida, mantendo o interesse do público mesmo durante as passagens mais lentas, e gradualmente intensificando as suspeitas para tornar a trama mais envolvente e divertida.
A abertura é deliberadamente pausada, mostrando não apenas a banalidade de uma morte, mas também uma estranha coreografia entre poder e submissão: o protagonista e sua empregada alteram a cena, deixando o espectador em dúvida quanto aos reais motivos — tratar-se-ia de um amor não correspondido por parte de Anderson ou de um assassinato motivado por interesses financeiros? O roteiro transforma as tragédias conjugais em um processo infame de lucro sobre o luto, ampliando as suspeitas desde o início. Ao apresentar a ambiguidade moral do protagonista, o filme navega em um mar de desconfiança sistemática, com uma extensa lista de suspeitos indiretos que o público só percebe bem depois. À medida que a investigação avança de forma previsível, o aspecto psicológico dos personagens ganha profundidade, e da metade para o final, o tom da obra muda, tornando-se mais interessante e errando menos na estrutura.
Na primeira parte, entretanto, a sequência do julgamento se mostra arrastada e prejudica o ritmo da narrativa: diálogos repetitivos, cenas investigativas rígidas e uma sensação de que a câmera privilegia planos gerais genéricos em detrimento do essencial para a história. Apesar de algumas tentativas do diretor para criar suspense — como o close-up no relógio, o olhar suspeito da empregada e as reações pouco naturais do réu —, o tédio domina essa parte, como se o roteiro estivesse preso a formalidades. Esse problema ultrapassa as cenas judiciais, deixando dúvidas sobre qual realmente é o foco do cineasta. O problema aqui não é falta de conteúdo, mas o excesso de detalhes que pouco acrescentam.
O elenco não se destaca muito nessa fase (muitos costumam defender Carroll Baker, mas aqui ela entrega uma atuação básica e automática). A exceção fica por conta do Inspetor Dunphy, vivido por José Luis López Vázquez, cuja presença irônica e humor levemente bobo quebram a seriedade do ambiente, acrescentando uma nota de absurdo bem-vinda ao filme. Nas locações e na fotografia, o longa oscila entre o cuidado do diretor e as limitações técnicas da época. Cenários como o tribunal e as mansões reforçam uma atmosfera densa, mas frequentes inconsistências — mudanças no tom da iluminação entre cenas, enquadramentos ora precisos, ora desleixados — revelam um projeto que sabia o que pretendia, mas provavelmente esbarrou em restrições orçamentárias. As belas tomadas externas, aliás, demonstram o potencial desperdiçado.
O que salva A Quarta Vítima de se perder por completo é a coragem de abraçar essas imperfeições como parte de sua identidade. Ao chegar ao clímax, o filme revela sua verdadeira essência: um bom giallo disfarçado de drama procedural com críticas sociais sutis. O desfecho irônico traz um comentário ácido sobre a ilusão da justiça. A cena no lago, ao mesmo tempo patética e simbólica, expressa essa dualidade: a água parada, como a piscina no início, reflete personagens presos aos seus vícios e fraquezas. As perguntas que o diretor deixa em aberto fazem parte do charme da obra; afinal, é mais instigante não saber o que realmente aconteceu com as esposas anteriores de Anderson e aceitar esse novo capítulo em sua vida. Essa resolução permanece na memória não pelo que responde, mas pelo que sugere: chegou o momento de o marido desconfiar de cada sorriso, gesto e suspiro da mulher. Aparentemente, os papéis se equivalem, mas, na verdade, se invertem. Agora é a vez da caça.
A Quarta Vítima (La última señora Anderson / The Fourth Victim) — Espanha, Itália, 1971
Direção: Eugenio Martín
Roteiro: C.B. Gilford, Vicente Coello, Santiago Moncada, Sabatino Ciuffini, Eugenio Martín
Elenco: Carroll Baker, Michael Craig, Miranda Campa, José Luis López Vázquez, Enzo Garinei, Phillip Ross, Alberto Fernández, Manuel Gallardo, Alberto Gonzales Espinosa, Marina Malfatti, Lone Fleming, Maria Gustafsson, Victor Harrington, George Hilsdon, Guy Standeven, John Tatham
Duração: 88 minutos
Sou especialista em Cronoanálise Aplicada e Metanarrativas Interdimensionais, formado em Jadoo de Clio (Casa Corvinal) e com pós-doutorado em Psicohistória Avançada (Fundação Seldon). Portador do Incal, atuo como historiador-chefe em Astro City, mapeando civilizações críticas. Atualmente, em exílio interdimensional, desenvolvo protocolos de resistência psíquica e coordeno operações linguísticas em Torchwood, decifrando sistemas de comunicação audiovisual e pluriliterárias. Utilizo minha TARDIS como base para simulações estratégicas da Agência Alfa, convertendo crises cósmicas em modelos previsíveis na perspectiva Mystère. Também coordeno a transição para Edena, em parceria com o Dr. Manhattan, alterando o eixo ontológico universal para alcançar a Presença definitiva.
Qual é o gênero e a principal temática do filme “A Quarta Vítima”?
O filme é um raro exemplo do dogiallo ítalo-espanhol que combina suspense policial e investigação criminal. A trama gira em torno de Arthur Anderson, um viúvo suspeito de ter causado a morte de suas três esposas anteriores para obter seguros de vida, explorando temas de ambiguidade moral, lucro sobre o luto e desconfiança sistemática.
Quais são os principais pontos fortes e fracos do filme segundo a crítica?
Os pontos fortes incluem uma trama instigante que manipula clichês eficazmente, especialmente na segunda metade, e uma atmosfera densa reforçada por locações e fotografia cuidadosas. Já os pontos fracos envolvem um ritmo arrastado na primeira parte, diálogos repetitivos, desenvolvimento irregular da narrativa e atuações básicas, além de limitações técnicas da época que prejudicam a consistência visual.
Como o filme aborda a questão da justiça e qual é o significado do desfecho
O desfecho irônico faz um comentário ácido sobre a ilusão da justiça, mostrando personagens presos aos seus vícios e fraquezas através de símbolos como a água parada. A resolução deixa perguntas em aberto, sugerindo que agora é a vez do marido desconfiar da esposa, invertendo os papéis e criando uma atmosfera de caça mútua entre eles.
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