Amor acima do Estado
Poucas semanas após o encerramento da primeira temporada da aclamada série A Agência (2024), Michael Fassbender retoma o universo da espionagem em Código Preto, um filme que se distancia das franquias tradicionais como James Bond e Missão Impossível, tão presentes no gênero, especialmente no cinema. Fassbender vive George Woodhouse, um agente frio, detalhista e determinado, encarregado de investigar o vazamento de um programa de software ultrassecreto chamado Severus, ligado a armas nucleares. O desafio é ainda maior porque o traidor está dentro da agência, ocupando uma posição de alto escalão com acesso a informações sigilosas. Entre os suspeitos estão três agentes: Freddie Smalls (Tom Burke), Clarissa Dubose (Marisa Abela) e James Stokes (Regé-Jean Page), além da psiquiatra da agência, Dra. Zoe Vaughan (Naomie Harris). Para apimentar a trama, a esposa de George, Kathryn St. Jean (Cate Blanchett), também é uma das líderes da organização, ao lado de Arthur Stieglitz (Pierce Brosnan, num divertido aceno ao seu passado como 007). Como primeiro passo na investigação, George convoca todos para um jantar tenso e desconfortável.
Sem revelar detalhes que possam estragar a experiência, é fácil perceber que o diretor Steven Soderbergh e o roteirista David Koepp focam mais nas relações pessoais do que no terrorismo em si. A cena do jantar inicial estabelece o clima do longa, que se desenrola como um thriller de espiões, mas que apoia seu peso nos laços entre os personagens principais, mais do que na ameaça nuclear em si. O filme explora temas como fidelidade e lealdade num drama moral que envolve profissionais supostamente sem escrúpulos, e boa parte da narrativa se passa em ambientes domésticos ou salas fechadas. O antagonista que toma posse do dispositivo perigoso tem pouca relevância para o enredo, o que pode ser visto como um ponto fraco, porém faz sentido dentro da proposta criativa, que privilegia as complexidades humanas, as reações diante da confiança e da desconfiança, e transforma a investigação num estudo íntimo de personalidades.
Isso não significa que o filme seja desprovido de ritmo. Soderbergh constrói uma espécie de versão sóbria de Sr. & Sra. Smith, resgatando um cinema de espionagem mais realista, mas incorporando tecnologias modernas como drones, vigilância por satélite e softwares avançados de leitura labial, conferindo uma atualidade sofisticada à narrativa. A ação tradicional dá lugar ao confronto verbal: um jogo de xadrez com diálogos afiados, por vezes carregados de humor ácido, que se desenvolve dentro da própria agência. O diretor, versátil e à vontade no gênero, utiliza mudanças de foco e cria tensão em ambientes confinados. É notável como ele transforma momentos cotidianos em situações carregadas de urgência — seja durante um jantar, uma pescaria ou uma sessão de terapia. A fotografia em tons acinzentados e dessaturados, a iluminação discreta e a trilha sonora jazzística compõem uma ambientação cuidadosamente trabalhada.
Por outro lado, o filme sofre na parte final. A abordagem formal e o roteiro denso em diálogos expõem fragilidades, especialmente na resolução da trama. Koepp tem dificuldades para amarrar os eventos e construir reviravoltas convincentes, resultando num desfecho expositivo, com revelações previsíveis e pouco naturais que diminuem o impacto do cuidado técnico e do estilo refinado da produção. Para um filme tão sofisticado, falta um roteiro mais inteligente e sagaz, pois a narrativa se apoia em artifícios que tornam a segunda metade um tanto previsível e sem sutilezas — lembrando aquelas histórias de mistério que prometem muito, mas não entregam uma conclusão satisfatória. A ausência de um clímax tenso, mesmo que não necessariamente repleto de ação, também pesa, especialmente porque a solução da investigação é apresentada de forma relativamente simples, incluindo um longo discurso explicativo sobre a traição.
Apesar dessas limitações, Código Preto oferece uma experiência charmosa. Soderbergh cria um thriller de espionagem que desafia o público a se envolver com uma narrativa contida e dilatada, sem recorrer a exageros ou explosões, construindo tensão e intriga com elementos aparentemente simples, além de um subtexto sensual e provocativo sobre relacionamentos complexos e caóticos — todos interpretados com habilidade, embora Pierce Brosnan acabe subaproveitado. É uma pena que o roteiro, inicialmente envolvente, se perca em suas próprias reviravoltas, culminando num final que não corresponde à proposta instigante e enigmática do filme.
Código Preto (Black Bag) — EUA, 2025
Direção: Steven Soderbergh
Roteiro: David Koepp
Elenco: Cate Blanchett, Michael Fassbender, Marisa Abela, Tom Burke, Naomie Harris, Regé-Jean Page, Pierce Brosnan
Duração: 94 minutos
Qual é o enredo principal do filme Código Preto e quem é o protagonista?
O filme Código Preto acompanha George Woodhouse (vivido por Michael Fassbender), um agente frio e detalhista encarregado de investigar o vazamento de um programa de software ultrassecreto ligado a armas nucleares. A trama se desenvolve principalmente em ambientes fechados e foca nas relações pessoais e na lealdade entre os agentes da agência de espionagem.
Como é a abordagem do diretor Steven Soderbergh em relação ao gênero espionagem neste filme?
Soderbergh opta por um estilo mais sóbrio e realista, afastando-se das tradicionais cenas de ação explosiva. O filme privilegia o confronto verbal, diálogos afiados e a tensão criada em ambientes domésticos e fechados, utilizando tecnologia moderna para atualizar a narrativa sem perder o foco nas complexidades humanas.
Quais são os pontos fracos e fortes do filme segundo a crítica?
Os pontos fortes incluem a ambientação sofisticada, a construção de tensão em situações cotidianas e o elenco talentoso. Já os pontos fracos estão na parte final do filme, com um roteiro que apresenta uma resolução previsível e pouco natural, além de um desfecho expositivo que diminui o impacto da narrativa inicialmente envolvente.