No universo cinematográfico de Spike Lee, poucas coisas são acidentais. Cada plano, cada diálogo, cada escolha musical carrega o peso de uma declaração. Em “Luta de Classes”, sua mais recente empreitada, o diretor não apenas revisita um clássico do cinema mundial, mas o reimagina com a fúria e a perspicácia que se tornaram suas marcas registradas. Lançado em 2025, o filme emerge como um espelho implacável das tensões sociais contemporâneas, questionando os pilares da riqueza e da responsabilidade em uma sociedade cada vez mais dividida.
Spike Lee, conhecido por sua abordagem incisiva de temas como raça, classe e identidade nos Estados Unidos, traz para “Luta de Classes” uma herança cinematográfica rica, mas com um olhar fresco e urgente. A colaboração com Denzel Washington, ator com quem Lee já construiu uma filmografia memorável, eleva a narrativa a um patamar de intensa dramaticidade. Washington interpreta David King, um magnata da indústria musical que, do alto de sua torre de vidro e concreto, representa o ápice do sucesso capitalista. Sua vida luxuosa, no entanto, é abruptamente confrontada com a brutal realidade da desigualdade quando um plano de sequestro se desenrola, revelando um dilema moral que transcende a mera questão financeira e se aprofunda na luta de classes.
O roteiro, assinado por Alan Fox e pelo próprio Spike Lee, tem a ousadia de reinterpretar “Céu e Inferno”, obra-prima de Akira Kurosawa. Essa não é uma simples refilmagem, mas uma adaptação consciente que transporta a complexidade moral do original para as ruas vibrantes e muitas vezes cruéis de Nova York. A premissa central, que envolve um sequestro e a escolha agonizante entre salvar um ente querido ou o filho do motorista, é potencializada pelo contexto da indústria musical, onde o valor de um hit pode ser medido em milhões, mas o valor de uma vida se torna uma questão de consciência. A narrativa constrói uma ponte entre o drama pessoal e a crítica social, forçando o espectador a refletir sobre o alcance da responsabilidade de quem detém o poder.
A direção de Lee é, como esperado, impecável e cheia de estilo. Seus famosos “double dolly shots”, que deslizam suavemente os personagens por cenários complexos, criam uma sensação de imersão e urgência. A cinematografia de Matthew Libatique captura a dicotomia entre os arranha-céus reluzentes e os becos sombrios da cidade, transformando o espaço urbano em um personagem por si só. A trilha sonora, um elemento sempre crucial nos filmes de Lee, atua aqui como um pulsante comentário sobre a indústria da música, com seus ritmos e silêncios que pontuam a crescente tensão da trama. A música não é apenas um pano de fundo; ela é protagonista, refletindo os sonhos, as desilusões e as batalhas dos personagens.
As atuações são um ponto alto do filme. Denzel Washington entrega uma performance poderosa e matizada como David King, um homem que tem seu império e sua moralidade testados ao limite. Sua capacidade de transmitir a angústia e a complexidade de um homem preso em um dilema impossível é notável. Ao seu lado, Jeffrey Wright, no papel do motorista, e A$AP Rocky, como o sequestrador Yung Felon, complementam o elenco com atuações que solidificam a tensão e a crítica social da obra. Cada personagem, de alguma forma, personifica um aspecto da “luta de classes”, seja pela busca de reconhecimento, pela sobrevivência ou pela manutenção de um status quo.
“Luta de Classes” é um filme que incomoda e provoca, não se contentando em apenas entreter. Ele nos confronta com a brutalidade das divisões sociais e as difíceis escolhas morais que elas impõem. A obra de Spike Lee, disponível para os assinantes da Apple TV+, não é apenas um thriller bem executado; é um manifesto urbano que nos obriga a olhar para as nossas próprias realidades com outros olhos, questionando quem se beneficia e quem é deixado para trás. É um filme que, sem dúvida, ecoará na mente do público muito depois de os créditos finais subirem. Para os interessados em aprofundar a discussão sobre temas sociais no cinema, plataformas como AdoroCinema frequentemente oferecem listas e análises de filmes que abordam a luta de classes, aprofundando o entendimento de como essa temática é explorada por diversos cineastas.
Luta de Classes (Highest 2 Lowest – EUA / Japão, 2025)
Direção: Spike Lee
Roteiro: Alan Fox, Spike Lee
Elenco: Denzel Washington, Jeffrey Wright, Ilfenesh Hadera, A$AP Rocky
Duração: 133 min.
Nota: ⭐⭐⭐⭐
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