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Resumo do filme Manas

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Em um cenário cinematográfico brasileiro que cada vez mais ousa mergulhar em narrativas de profunda relevância social, “Manas”, a estreia de Marianna Brennand na direção de um longa-metragem de ficção, emerge como uma obra de impacto incontestável. Brennand, conhecida por sua trajetória no documentário, transita com notável sensibilidade para a ficção, oferecendo ao público uma história que é tão delicada quanto perturbadora, ambientada em um dos cenários mais emblemáticos e complexos do Brasil: a Amazônia. O filme, que teve sua première no Giornate degli Autori do 81º Festival Internacional de Cinema de Veneza em 2024, onde conquistou o prêmio de Melhor Direção, rapidamente se consolidou como uma voz essencial no debate sobre vulnerabilidade e resiliência, recebendo elogios pela sua abordagem corajosa e pela qualidade de sua execução.

O roteiro de “Manas”, assinado por Marianna Brennand em colaboração com Felipe Sholl, Marcelo Grabowsky, Antonia Pellegrino, Camila Agustini e Carolina Benevides, é fruto de uma pesquisa aprofundada de uma década sobre exploração sexual infantil na Ilha do Marajó. Essa base documental confere à narrativa uma autenticidade pungente, sem cair em um didatismo excessivo. A trama acompanha Marcielle, uma menina de 13 anos que, após a fuga de sua irmã mais velha, começa a questionar as estruturas de abuso e silêncio que aprisionam as mulheres de sua comunidade ribeirinha. É um estudo sobre a perda da inocência e a dolorosa conscientização de uma realidade brutal, mas também sobre a força interior para resistir. A forma como o roteiro constrói a jornada de Marcielle (carinhosamente chamada de Tielle) é primorosa, permitindo que o espectador vivencie a complexidade de sua percepção e a evolução de sua determinação.

A direção de Marianna Brennand é um dos pilares da força de “Manas”. Sua experiência em documentário se reflete em uma mirada quase etnográfica para a realidade da Ilha do Marajó, traduzida em imagens que são simultaneamente belas e opressivas. A cineasta escolhe um olhar poético e intransigente, evitando a espetacularização da violência explícita para focar nas suas consequências emocionais e sociais, um caminho que ressoa com a sensibilidade necessária para o tema. A cinematografia de Pierre de Kerchove é um espetáculo à parte. Com uma paleta de cores que ora exalta a exuberância da natureza amazônica, ora sublinha a atmosfera de confinamento e desamparo, a fotografia do filme é um elemento narrativo por si só, transmitindo o contraste entre a beleza idílica do exterior e a realidade sombria que se esconde.

As atuações são outro ponto de excelência em “Manas”. Jamilli Correa, em sua estreia no cinema, entrega uma performance devastadora como Marcielle. Sua interpretação é carregada de uma honestidade e vulnerabilidade que prendem o olhar, revelando a complexidade de uma criança confrontada com decisões adultas e traumas profundos. Ao lado dela, nomes consagrados como Dira Paes, no papel da delegada Aretha, e Rômulo Braga, como o pai Marcílio, conferem ainda mais peso ao elenco, construindo personagens multifacetados que evitam o maniqueísmo e aprofundam a discussão sobre as diversas camadas da violência. A presença de atores e atrizes locais, muitos deles não-profissionais, contribui para a autenticidade e o realismo da obra, um testemunho da direção perspicaz de Brennand em extrair performances genuínas.

Os aspectos técnicos, incluindo a trilha sonora e a montagem, são utilizados com maestria para aprofundar a imersão na história. A trilha sonora, discreta, mas impactante, pontua os momentos de tensão e reflexão, enquanto a montagem de Isabela Monteiro de Castro constrói um ritmo que permite ao espectador absorver a gravidade da situação sem se sentir sufocado. Cada elemento técnico trabalha em função da narrativa, amplificando a mensagem central do filme. O filme “Manas” é uma coprodução entre Brasil, Portugal e Bélgica, e sua relevância se estende além das fronteiras brasileiras, abordando temas universais de direitos humanos, especialmente os direitos das crianças e das mulheres. A história de Marcielle é um grito silencioso que ecoa em diversas realidades, tornando o filme uma ferramenta poderosa para o debate e a conscientização.

Em suma, “Manas” transcende a mera denúncia para se estabelecer como uma obra de arte cinematográfica de rara beleza e profundidade. Marianna Brennand, em sua estreia na ficção, demonstra um domínio narrativo e uma sensibilidade que a colocam entre os grandes nomes do cinema contemporâneo brasileiro. É um filme que desafia o espectador, provoca reflexão e, acima de tudo, inspira a esperança na resiliência do espírito humano e na força das “manas” para reescrever seus próprios destinos. É um convite urgente a olhar para uma realidade muitas vezes invisibilizada e a questionar as estruturas que a perpetuam, um filme que merece ser visto e discutido, talvez um dia encontrado em plataformas como Netflix ou Prime Video, e certamente um destaque em qualquer retrospectiva do cinema nacional.

Manas (Manas – Brasil, Portugal, Bélgica, 2024)
Direção: Marianna Brennand
Roteiro: Marianna Brennand, Felipe Sholl, Marcelo Grabowsky, Antonia Pellegrino, Camila Agustini, Carolina Benevides
Elenco: Jamilli Correa, Fátima Macedo, Rômulo Braga, Dira Paes
Duração: 106 min.
Nota: ⭐⭐⭐⭐

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