“Cavalo de Guerra”, a obra de Steven Spielberg de 2011, é um convite à reflexão sobre a resiliência do espírito em meio à barbárie. O diretor, conhecido por sua maestria em narrar grandes eventos históricos e dramas humanos, como visto em “A Lista de Schindler” ou “O Resgate do Soldado Ryan”, entrega aqui um épico que, embora ambientado na brutalidade da Primeira Guerra Mundial, opta por um olhar mais próximo e humanista, ou melhor, animalista. Baseado no livro de Michael Morpurgo e na aclamada adaptação teatral, o filme segue a jornada extraordinária de um cavalo, Joey, e as vidas que ele toca e transforma.
Desde os primeiros momentos em Devon, Inglaterra, Spielberg e o diretor de fotografia Janusz Kamiński nos imergem em uma paisagem rural de beleza quase idílica. A cinematografia, com suas cores muitas vezes quentes e paisagens amplas, evoca o cinema clássico, remetendo a grandes mestres como David Lean e John Ford. É nesse cenário bucólico que nasce a improvável, mas profunda, amizade entre o jovem Albert Narracott (Jeremy Irvine) e Joey, um potro puro-sangue adquirido em um leilão por seu pai. A dedicação de Albert em transformar Joey em um cavalo de fazenda, capaz de arar o solo rochoso da propriedade, estabelece o elo central da narrativa: a lealdade inabalável e a esperança que desafiam as adversidades.
O roteiro, assinado por Lee Hall e Richard Curtis, inteligentemente nos tira do conforto dessa ligação inicial para lançar Joey no olho do furacão da Primeira Guerra Mundial. Quando o cavalo é vendido ao exército britânico, forçado a servir na cavalaria, a dor da separação de Albert é palpável e serve como catalisador para a jornada de ambos. A partir daí, o filme se estrutura como uma odisseia, na qual Joey transita por diferentes proprietários e lados do conflito, testemunhando a irracionalidade da guerra. Ele se torna um espelho para a humanidade, refletindo a crueldade, mas também a inesperada bondade que emerge em momentos de desespero.
As atuações, embora secundárias à jornada do cavalo, são sólidas e contribuem para a tapeçaria emocional do filme. Jeremy Irvine, em sua estreia no cinema, entrega um Albert convincente em sua determinação e vulnerabilidade. Emily Watson e Peter Mullan, como os pais de Albert, ancoram a narrativa com performances que traduzem a dureza da vida rural e a angústia da guerra. Outros talentos como Tom Hiddleston e Benedict Cumberbatch, em papéis pontuais, adicionam camadas à complexidade humana que Joey encontra. Contudo, é o próprio Joey, interpretado por vários cavalos e com um trabalho de direção de movimento e coreografia equina notável, quem verdadeiramente cativa, transmitindo emoções e resiliência com uma força que transcende o diálogo.
Os aspectos técnicos são, sem surpresa, impecáveis. A já mencionada fotografia de Janusz Kamiński confere ao filme uma estética grandiosa e, ao mesmo tempo, íntima, capturando tanto a vastidão dos campos de batalha quanto a expressividade nos olhos de Joey. A trilha sonora de John Williams é, como sempre em suas colaborações com Spielberg, um componente vital, tecendo melodias que elevam o drama, sublinham a emoção e imprimem um senso de épico à jornada do cavalo. As composições de Williams conseguem ser ao mesmo tempo grandiosas e delicadas, acompanhando a transformação de Joey e a brutalidade da guerra com maestria.
Os temas principais de “Cavalo de Guerra” ressoam profundamente. É um filme sobre a lealdade inabalável entre um garoto e seu cavalo, sobre a inocência perdida na brutalidade do conflito e sobre a capacidade de esperança e humanidade sobreviverem em meio ao caos. A jornada de Joey serve como uma poderosa metáfora para o sofrimento e a resistência de todos os envolvidos na guerra, destacando o impacto devastador nos inocentes, sejam eles humanos ou animais. A cena em que soldados de ambos os lados se unem para libertar Joey de um arame farpado na terra de ninguém é um momento de pura poesia cinematográfica, um lembrete de que, mesmo nas circunstâncias mais terríveis, a compaixão pode prevalecer. O filme, que pode ser encontrado em plataformas como a Rakuten TV, ou outros serviços de streaming como Prime Video e Apple TV, oferece uma experiência que vale a pena.
“Cavalo de Guerra” é, em essência, um melodrama de guerra com o coração no lugar certo, que se destaca pela sensibilidade com que Spielberg aborda um período tão sombrio da história. Embora por vezes possa se inclinar para o sentimentalismo, sua honestidade emocional e a beleza de sua realização técnica o elevam a um patamar de obra relevante. É um filme que emociona, faz pensar sobre a natureza da guerra e a força dos laços que nos unem, deixando no espectador um sentimento de esperança e a crença na persistência da bondade.
Cavalo de Guerra (War Horse – Estados Unidos, Reino Unido, Índia, 2011)
Direção: Steven Spielberg
Roteiro: Lee Hall, Richard Curtis (baseado na obra de Michael Morpurgo)
Elenco: Jeremy Irvine, Emily Watson, Peter Mullan, Niels Arestrup, David Thewlis, Tom Hiddleston, Benedict Cumberbatch
Duração: 146 min.
Nota: ⭐⭐⭐⭐
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