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Resumo Crítica Ne Zha 2 O Renascer da Alma

O cinema de animação chinês, em sua ascensão vertiginosa, tem presenteado o público global com produções de uma ambição visual e narrativa cada vez mais imponentes. Dentre elas, o fenômeno de 2019, “Ne Zha”, destacou-se não apenas por sua bilheteria estratosférica, mas por redefinir a mitologia chinesa para uma nova geração, com um protagonista complexo e uma estética vibrante. A expectativa para sua sequência, “Ne Zha 2: O Renascer da Alma”, dirigida e roteirizada pelo visionário Jiaozi, era, portanto, monumental, e o filme, que chega agora aos cinemas brasileiros, não apenas atende a essas expectativas como as transcende, solidificando seu lugar como um marco na história da animação mundial.

Jiaozi, com sua direção perspicaz e roteiro intrincado, mergulha novamente no coração do universo Fengshen, revisitando a saga de Ne Zha com uma maturidade notável. O ponto de partida é ousado: Ne Zha e Ao Bing, após a catástrofe que selou seus destinos no filme anterior, encontram-se em um estado etéreo, almas sem seus corpos, despedaçados na batalha final. A premissa de seu renascimento, dependendo da mística flor de lótus de sete cores e da ajuda de Taiyi, estabelece imediatamente um tom de urgência e um arco dramático de proporções épicas. Essa jornada não é meramente uma busca por redenção física; é, como o próprio título sugere, um renascer da alma, um aprofundamento na identidade e no propósito de cada um, à medida que precisam unir forças para combater novas ameaças, incluindo os dragões marinhos que colocam em risco a Passagem de Chen Tang.

A narrativa se desenvolve com uma fluidez impressionante, tecendo os fios da mitologia clássica com uma sensibilidade moderna. Jiaozi demonstra um domínio excepcional na exploração de temas universais como destino versus livre-arbítrio, sacrifício, amizade e a luta contra a injustiça sistêmica. Ne Zha, o garoto demônio reencarnado, continua a ser um poço de rebeldia e um símbolo de desafiar as expectativas. Sua evolução é palpável, impulsionada não apenas por seus poderes, mas por sua relação complexa e indissolúvel com Ao Bing. A dinâmica entre os dois é o coração pulsante do filme, explorando nuances de lealdade e rivalidade em face de um destino compartilhado. O roteiro evita simplificações, preferindo mergulhar nas ambiguidades morais e nos dilemas existenciais que tornam esses personagens tão ressonantes. A urgência em encontrar um elixir mágico para salvar Ao Bing, cujo corpo foi destruído por um raio e que enfrenta um destino trágico em apenas sete dias, adiciona uma camada adicional de tensão e propósitos à aventura.

Visualmente, “Ne Zha 2: O Renascer da Alma” é uma obra-prima. A cinematografia é grandiosa, com sequências de ação que beiram o sublime e paisagens que são um espetáculo à parte. A inovação tecnológica na animação, que já havia sido um ponto forte do predecessor, aqui atinge novos patamares, estabelecendo um novo padrão para a indústria cinematográfica chinesa e global. Cada quadro é meticulosamente elaborado, desde os designs intrincados dos personagens até os cenários expansivos que misturam elementos tradicionais da fantasia chinesa com uma estética contemporânea e, por vezes, fantástica. As cenas de combate são coreografadas com uma intensidade e criatividade raramente vistas, aproveitando ao máximo a liberdade que a animação oferece para transcender as leis da física e entregar um espetáculo visceral. Os efeitos especiais, especialmente a representação dos poderes de Ne Zha e Ao Bing, são de tirar o fôlego, com uma riqueza de detalhes que enche os olhos.

A trilha sonora, um elemento muitas vezes subestimado, complementa perfeitamente a grandiosidade visual. As composições musicais de Wan Pin Chu Rui e Yang Rochen elevam as emoções de cada cena, seja nos momentos de introspecção melancólica ou nas explosões de adrenalina durante as batalhas. Ela atua como uma ponte sonora entre a tradição e a modernidade, ecoando a própria essética do filme. O elenco de vozes, liderado por talentos como Lü Yanting e Han Mo, entrega performances que injetam vida e profundidade a cada personagem, contribuindo significativamente para o impacto emocional da narrativa.

Mais do que um mero espetáculo visual, “Ne Zha 2: O Renascer da Alma” é um ensaio profundo sobre a resiliência do espírito humano (ou divino) e a capacidade de forjar o próprio caminho diante de um destino predeterminado. A produção explora a dualidade entre o bem e o mal, a responsabilidade que vem com o poder e a força que se encontra na união e no sacrifício. A narrativa emocionalmente complexa e seus temas de rebelião contra o destino e a injustiça sistêmica ressoam profundamente, tornando o filme relevante em um contexto mais amplo. A exploração da mitologia chinesa é feita com reverência, mas também com a liberdade criativa necessária para adaptar essas lendas a sensibilidades modernas, sem perder sua essência. O filme reafirma o potencial da China como uma potência global na animação, não apenas em termos técnicos, mas também em sua capacidade de contar histórias que cativam e emocionam.

“Ne Zha 2: O Renascer da Alma” é um triunfo cinematográfico que não se contenta em ser uma mera continuação, mas se estabelece como uma experiência autônoma e impactante. A crítica chinesa e internacional já aclamou a obra com entusiasmo quase universal, com pontuações elevadas em plataformas como Douban, Maoyan e Taopiaopiao, um reflexo de sua qualidade excepcional e do sucesso de bilheteria que quebrou múltiplos recordes, tornando-se a animação de maior arrecadação da história e um dos filmes mais lucrativos de todos os tempos. Jiaozi e sua equipe entregaram um filme que é, ao mesmo tempo, um espetáculo visual de tirar o fôlego e uma narrativa emocionante e reflexiva, um verdadeiro “renascer da alma” para o próprio gênero da animação. É uma obra que merece ser vista, apreciada e estudada, consolidando-se como um clássico instantâneo e uma prova da vitalidade e criatividade do cinema de animação chinês.

Ne Zha 2: O Renascer da Alma (哪吒之魔童闹海 – China, 2025)
Direção: Jiaozi
Roteiro: Jiaozi
Elenco: Lü Yanting, Han Mo, Lu Qi
Duração: 144 min.
Nota: ⭐⭐⭐⭐