A iminente perda de alguém querido, acometido por uma doença terminal e incurável, é um tema bastante explorado em filmes que abordam a vida e a morte. Exemplos variados como Love Story, Um Amor Pra Recordar e Doce Novembro ilustram essa abordagem, ainda que com níveis distintos de qualidade e necessidade artística. O novo filme de Gus van Sant, Inquietos, também segue essa linha narrativa, contando a história de uma jovem com um tumor em estágio terminal que conhece um rapaz marcado por um acidente, obcecado pela morte e que mantém a companhia de um fantasma kamikaze.
A trama entre Enoch e Annabel remete a outras histórias de casais cinematográficos, como Landon e Jamie, Jennifer e Oliver, Nelson e Sara — pares que vivem o amor e a perda, com transformações emocionais e morais que suavizam o desfecho trágico. Muitas vezes, as lágrimas despertadas pelo roteiro nos fazem esquecer de analisar o filme de forma crítica e objetiva. Surge, então, a dúvida: um filme é bom apenas porque emociona ou porque apresenta uma narrativa, técnica e final harmoniosos? Ortega y Gasset já alertava para a necessidade de desumanizar a arte, um desafio importante para quem deseja ir além da emoção superficial e exercitar uma crítica mais elaborada.
No filme, a proximidade da morte traz para Enoch e Annabel uma mistura de resignação e aceitação. Enoch, que já enfrentou a perda dos pais e até chegou a morrer por alguns instantes, tem como amigo o fantasma kamikaze Hiroshi, que representa seu contato com o além. A obsessão do jovem por funerais é o que o aproxima de Annabel. Juntos, eles compartilham uma paixão pela vida, vivendo um carpe diem melancólico, valorizando cada momento intenso e afetuoso como se fosse o último. Esse aspecto do roteiro, assinado por Jason Lew, captura a atenção do espectador.
No entanto, Inquietos apresenta um tom mais verborrágico e instável do que outros trabalhos anteriores de Gus van Sant, que costumava privilegiar uma narrativa mais econômica em palavras, com um ritmo visualmente refinado. Algumas cenas que explicitam a consciência da morte por parte de Enoch soam repetitivas e desnecessárias, enquanto certos elementos dos personagens parecem inseridos apenas para justificar momentos específicos, como o estilo masculino inicial de Annabel ou a amizade entre Enoch e Hiroshi.
Gus van Sant é conhecido por sua predileção por dramas envolvendo jovens, o que faz de suas obras reflexões sensíveis e profundas, geralmente fora do circuito comercial, ainda que títulos como Garotos de Programa, Paranoid Park e Elephant tenham conquistado público e prêmios internacionalmente. Em Inquietos, o drama vai além da juventude física, pois Enoch e Annabel, apesar de jovens, manifestam comportamentos de adultos deprimidos, abordando temas metafísicos, filosóficos e religiosos sobre a vida após a morte.
Apesar dessas questões, o filme não se torna insuportável. A combinação do estilo indie com um tom vintage confere a Inquietos uma atmosfera romântica e leve, que mantém o interesse mesmo diante de falhas narrativas. A trilha sonora inclui a bela “Two of Us”, dos Beatles, além de canções francesas, composições de Bach e orquestrações de Danny Elfman. A fotografia de Harris Savides se destaca pela criação de ambientes dramáticos, com cores equilibradas e contrastes sutis, especialmente na sequência de Halloween, onde luz e cor dialogam harmonicamente com a narrativa. Figurinos, edição e maquiagem também brilham nessa cena.
A direção de arte merece elogios, principalmente pela decoração dos interiores, como o quarto de Annabel, que contribui para a ambientação do filme. No elenco, Henry Hopper (Enoch) e Mia Wasikowska (Annabel) formam uma dupla cativante. Enquanto Hopper entrega uma atuação competente, Mia se destaca com uma interpretação angelical, sem cair em clichês de fragilidade juvenil. A química entre eles funciona muito bem na tela.
Quanto à direção, Gus van Sant se aventura em um cinema que mistura o autoral com o popular, alcançando o sucesso parcial nesse objetivo. Inquietos tropeça na forma de tratar a morte, ainda que o faça com beleza visual. O filme não traz originalidade, mas maneja bem os clichês do romance, propondo uma reflexão sobre amor, vida e morte que, no entanto, não assume um tom sério demais, preferindo se ancorar em emoções pessoais e delicadas. Assim, Inquietos não é uma obra-prima, mas é um dos poucos filmes que consegue lidar com seu tema central sem exageros dramáticos.
No fim, o que permanece é a memória do amor vivido a dois, e a saudade para quem fica. Como repete o casal que vive sob a sombra da morte, “a vida é curta demais para ser desperdiçada”.
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Inquietos (Restless) – EUA, 2011
Direção: Gus Van Sant
Roteiro: Jason Lew
Elenco: Jane Adams, Schuyler Fisk, Henry Hopper, Lusia Strus, Ryo Kase, Jesse Henderson, Kyle Leatherberry, Mia Wasikowska
Duração: 91 min.
Perguntas Frequentes:
1. Qual é o enredo principal do filme “Inquietos” dirigido por Gus Van Sant?
O filme conta a história de Annabel, uma jovem com um tumor terminal, que conhece Enoch, um rapaz obcecado pela morte e que mantém a companhia de um fantasma kamikaze. Juntos, eles vivem um amor melancólico, valorizando cada momento como se fosse o último.
2. Como o filme “Inquietos” se diferencia de outras obras de Gus Van Sant?
Diferente de seus trabalhos anteriores, que costumam ter uma narrativa mais econômica em palavras e ritmo visual refinado, “Inquietos” apresenta um tom mais verborrágico e instável, combinando elementos indie com uma atmosfera romântica e vintage, além de abordar temas metafísicos e filosóficos sobre a morte.
3. Quais são os pontos fortes e fracos do filme segundo a crítica?
Os pontos fortes incluem a fotografia dramática, a direção de arte, a trilha sonora variada e a química entre os atores principais, especialmente Mia Wasikowska. Entre as fraquezas estão a falta de originalidade, cenas repetitivas e elementos narrativos que parecem forçados, além do tratamento da morte que tropeça em clichês.
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