Imagine se os personagens das diversas obras de Shakespeare coexistissem em uma mesma época, em um universo compartilhado, e decidissem, literalmente, eliminar Shakespeare – considerado uma espécie de deus criador de tudo e de todos. Uma ideia irresistível, não é mesmo?
Essa é a premissa de Kill Shakespeare, criação dos roteiristas Anthony Del Col e Conor McCreery, com arte de Andy Belanger, publicada pela IDW Publishing. A obra mistura a proposta de reunir personagens distintos, semelhante ao que foi feito em A Liga Extraordinária e Fábulas, com a temática de um “deus” que controla um universo literário, como em O Inescrito. Nesse cenário inusitado, Hamlet assume o papel principal: um herói messiânico que, sem querer, é incumbido da missão de encontrar e matar Shakespeare. Tudo começa quando ele é manipulado por Ricardo III, que deseja tomar posse da pena mágica do autor – uma caneta poderosa – e, por sua vez, Ricardo é controlado por Lady Macbeth, uma verdadeira bruxa.
Del Col e McCreery demonstram domínio completo sobre as criações de Shakespeare, retratando as personalidades dos personagens com fidelidade às obras originais, embora tomem algumas liberdades, principalmente no que diz respeito à geografia. Toda a história se desenrola no reino de Ricardo III, que não é explicitamente identificado como Inglaterra. Além disso, personagens de outras nações aparecem apoiando ou combatendo Ricardo, mesmo que suas origens não sejam totalmente ignoradas, mas também não explicadas detalhadamente neste primeiro volume.
Poder ver Hamlet e Ricardo III compartilhando a mesma narrativa é algo que desperta a curiosidade de qualquer fã.
O ponto forte dos roteiristas está na fluidez e inteligência com que desenvolvem a trama, evitando o excesso de textos expositivos. Personagens como Hamlet, Ricardo III, Lady Macbeth, Julieta, Otelo, Iago, Falstaff, Demétrio, Adriana, Dom João e muitos outros são tão conhecidos que o leitor não fica perdido mesmo sem conhecimento profundo das peças. No entanto, quem está familiarizado com as obras de Shakespeare certamente desfrutará das nuances, das citações e das caracterizações com muito mais profundidade.
Quem conhece as peças sabe, por exemplo, que as palavras doces de Iago são sempre repletas de mentiras, que a deformidade de Ricardo III é crucial para sua personagem, além dos conflitos internos e as hesitações que definem Hamlet – elementos que justificam sua escolha como protagonista da série. Quem não conhece esses detalhes ainda pode se divertir, mas de forma mais superficial.
A única ressalva em termos de caracterização fica por conta de Julieta. Enquanto os demais personagens são retratados com fidelidade às suas versões originais, Julieta aparece completamente diferente: uma guerreira e líder vocal de uma revolução. Essa interpretação se distancia bastante da figura da jovem rica apaixonada por Romeu em Verona, apesar de algumas referências a esse passado. Sua transformação é difícil de aceitar logo de início, e, considerando que sua participação deve crescer na história, fica a expectativa de que os roteiristas justifiquem melhor essa mudança na personagem.
Quanto à arte, Andy Belanger entrega ilustrações detalhadas, com cenários ricos em montanhas, pradarias e nuvens, que conferem ótima perspectiva e dinamismo à narrativa. Ele também se destaca na diferenciação visual dos personagens, fundamental para uma história com tantos nomes. Há, porém, algumas escolhas visuais que destoam do período histórico, como figurinos e cortes de cabelo mais modernos, o que gera anacronismos. A representação de Hamlet no início, por exemplo, parece um pouco ingênua, possivelmente intencional para destacar sua inocência e falta de experiência; mais adiante, sua aparência se torna mais robusta e condizente com o ambiente.
Apesar de algumas vezes a distribuição dos quadros ser confusa, Belanger consegue criar efeitos visuais interessantes, utilizando o ambiente para enquadrar a ação de maneira atraente e natural. As splash pages são bonitas, embora possam ser difíceis de acompanhar em certos momentos.
Embora não alcance a densidade e a imaginação de A Liga Extraordinária, Kill Shakespeare se destaca por sua premissa divertida e original. É uma leitura leve, que respeita o universo shakespeariano e oferece uma experiência interessante para fãs e curiosos. Vale a pena conferir.
Kill Shakespeare – Volume 1 (compilação dos números 1 a 6, EUA – 2010)
Roteiro: Anthony Del Col, Conor McCreery
Arte: Andy Belanger
Cores: Ian Herring
Editora (EUA): IDW Publishing (abril a outubro de 2010)
Editora (Brasil): ainda não publicado
Páginas: 185
Perguntas Frequentes:
1. **Qual é a premissa da obra “Kill Shakespeare”?**
“Kill Shakespeare” imagina um universo compartilhado onde personagens das obras de Shakespeare coexistem e decidem eliminar o próprio Shakespeare, visto como um deus criador. A história gira em torno de Hamlet, que é incumbido da missão de encontrar e matar Shakespeare, enquanto enfrenta Ricardo III e Lady Macbeth em uma trama cheia de intrigas e magia.
2. **Como são retratados os personagens clássicos de Shakespeare em “Kill Shakespeare”?**
Os roteiristas Anthony Del Col e Conor McCreery mantêm a fidelidade às personalidades originais dos personagens, como Hamlet, Ricardo III, Lady Macbeth, Iago e outros, embora tomem algumas liberdades, especialmente na geografia e na caracterização de Julieta, que aparece como uma guerreira revolucionária, bastante diferente da figura tradicional.
3. **Como é a arte da série e quais são suas características principais?**
A arte de Andy Belanger é detalhada, com cenários ricos e boa diferenciação visual dos personagens, contribuindo para o dinamismo da narrativa. Apesar de alguns anacronismos nos figurinos e cortes de cabelo, e certa confusão na distribuição dos quadros, as ilustrações criam efeitos visuais interessantes e splash pages atraentes, que enriquecem a experiência de leitura.
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