A artificialidade de um casal
Em “A Boneca do Amor” (Die Puppe), Ernst Lubitsch cria uma obra que encapsula a essência do cinema como uma arte feita de ilusões e construções artificiais, mergulhando o espectador em um universo que remete ao Expressionismo Alemão. Logo no início, quando o diretor aparece em cena para montar uma maquete cenográfica diante de nossos olhos, somos imediatamente inseridos em um mundo que valoriza a artificialidade, ressaltando a criação como elemento central da experiência cinematográfica. Essa introdução funciona como uma declaração artística, posicionando o filme como uma metáfora do próprio cinema — um espaço onde tudo é elaborado para encantar, provocar e envolver.
O expressionismo se manifesta em diversos elementos visuais do filme: os cenários bidimensionais feitos de papelão, as linhas tortuosas e as perspectivas exageradas, além das interpretações marcadas por um tom teatral. Esse conjunto não apenas define a identidade estética da obra, mas também reforça seu clima surreal, em que a fantasia domina e o público é constantemente lembrado de que está diante de uma narrativa propositalmente construída. Detalhes como nuvens de papelão que se abrem para revelar um sol sorridente, árvores estilizadas e cavalos encarnados por atores fantasiados não são meros adornos, mas sim componentes essenciais para formar um universo onde a irrealidade é fundamental para a compreensão da história.
Inspirada no conto de E.T.A. Hoffmann, a trama mistura o encanto de um conto de fadas com uma ironia sutil que eleva sua profundidade. O protagonista, Lancelot, foge de um casamento arranjado e encontra abrigo em um mosteiro governado por monges corruptos, um reflexo das tensões entre liberdade individual e normas sociais. A chegada ao fabricante de bonecas, o Sr. Hilarious, traz uma proposta inusitada: casar-se com uma boneca mecânica. É nesse ponto que o filme abraça sua temática central, explorando a falsidade das aparências e a busca por autenticidade em um mundo governado por ilusões. A narrativa, embora envolvente, tem um ritmo episódico, com transições que nem sempre fluem com naturalidade.
A performance de Ossi Oswalda é um dos pontos altos da produção, conseguindo equilibrar a rigidez artificial de uma boneca com a energia vibrante de uma jovem que se diverte com sua própria condição. Sua atuação, cheia de sutilezas e dinamismo, casa perfeitamente com o tom do filme, onde o exagero e a estranheza são elementos que enriquecem a caracterização dos personagens e suas motivações. Em uma sequência onírica, a dualidade da personagem é aprofundada por meio de efeitos visuais que reforçam os temas de falsificação e engano.
Personagens como os monges gananciosos, o tio obcecado pela preservação da linhagem familiar e o próprio protagonista, que prefere evitar seu compromisso matrimonial — levantando até questionamentos sobre sua sexualidade —, compõem uma narrativa que, apesar do tom leve e divertido, oferece uma crítica contundente às instituições sociais e à hipocrisia humana. No entanto, o desfecho do filme remete um pouco ao encerramento de “A Princesa das Ostras”, com uma conclusão que não alcança a mesma criatividade e ousadia vistas anteriormente. Embora isso não comprometa a experiência geral, o final poderia ter sido mais alinhado à inventividade que caracteriza o restante da obra, evitando a sensação de que o diretor hesitou ao lidar com as consequências do clímax.
Ficha técnica:
A Boneca do Amor (Die Puppe) — Alemanha, 1919
Direção: Ernst Lubitsch
Roteiro: Ernst Lubitsch, E.T.A. Hoffmann, Hanns Kräly
Elenco: Max Kronert, Hermann Thimig, Victor Janson, Marga Köhler, Ossi Oswalda, Gerhard Ritterband, Jakob Tiedtke, Josefine Dora, Paul Morgan, Hedy Searle, Arthur Weinschenk
Duração: 66 minutos
Sobre o autor:
Especialista em Cronoanálise Aplicada e Metanarrativas Interdimensionais, formado em Jadoo de Clio (Casa Corvinal) e com pós-doutorado em Psicohistória Avançada (Fundação Seldon). Detentor do Incal, atuo como historiador-chefe em Astro City, mapeando civilizações críticas. Atualmente, em exílio interdimensional, desenvolvo protocolos de resistência psíquica e coordeno operações linguísticas em Torchwood, dedicando-me à decodificação de sistemas audiovisuais e pluriliterários. Com minha TARDIS, realizo simulações estratégicas para a Agência Alfa, convertendo crises cósmicas em modelos previsíveis sob a perspectiva Mystère. Também lidero a transição para Edena em parceria com o Dr. Manhattan, trabalhando para alterar o eixo ontológico universal rumo ao encontro definitivo com a Presença.
Qual é a relação entre “A Boneca do Amor” e o Expressionismo Alemão no cinema?
O filme “A Boneca do Amor”, dirigido por Ernst Lubitsch, incorpora elementos característicos do Expressionismo Alemão, como cenários bidimensionais de papelão, perspectivas distorcidas, e atuações teatrais que criam um ambiente surreal e artificial. Essas escolhas visuais reforçam a atmosfera de fantasia e enfatizam a artificialidade como tema central da obra, aproximando-a da estética expressionista.
Como o filme aborda a temática da artificialidade e das aparências?
“A Boneca do Amor” explora a falsidade das aparências e a busca por autenticidade por meio da história de Lancelot, que se casa com uma boneca mecânica para fugir de um casamento arranjado. A narrativa utiliza esse artifício para questionar normas sociais, a hipocrisia humana e as tensões entre liberdade individual e convenções, apresentando um universo onde a ilusão e a construção são fundamentais para a experiência do espectador.
Qual é o destaque da atuação de Ossi Oswalda em “A Boneca do Amor”?
Ossi Oswalda se destaca ao interpretar a boneca mecânica com um equilíbrio entre rigidez artificial e vitalidade juvenil. Sua performance combina sutilezas e dinamismo, contribuindo para o tom estranho e exagerado do filme, e aprofunda a dualidade da personagem em sequências oníricas que enfatizam os temas de falsificação e engano presentes na narrativa.
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